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]]>pensando o capenga forensicamente (em voz alta e sotaqueada)
(conversa entre Raphi Soifer e Linguagem forense: a língua portuguesa aplicada à linguagem do foro de Edmundo Dantès Nascimento
A linguagem socializa e racionaliza o pensamento.
o que é capenga é pensado e socialmente inserido, mas não consegue se racionalizar. o capenga age sobre o pensamento de uma maneira um pouco torta; desracionaliza, enselvagereia.
A linguagem literária tem 4 qualidades essenciais:
concisão
clareza
precisão
pureza
o capenga não sabe lidar precisa ou puramente, não busca clareza e nem concisão; na real, nem sabe que devia estar buscando. mesmo assim, é efetivo, acaba funcionando (mais ou menos). mas ele não apenas funciona, ele existe, se enuncia na própria falta dessas qualidades essenciais, se mostrando possível.
o capenga sabe mais: sabe que toda qualidade que se diz essencial é capenga por si só, guarda algo torto na sua base, no cerne da sua proposta de ser definitiva. uma tortura, porque articular uma linguagem que se diz forense requer excluir tantas outras cuja efetividade reside no afeto, requer expulsar tantas gírias queridas e acertações poéticas tidas como erradas. se a língua forense racionaliza, o capenga sente. e toca, e atinge.
O verbo ATINGIR é transitivo direto, isto é, rege objeto direto – sem a preposição A – no sentido físico de “tocar”, “chegar a”, “alcançar”, ou noutro de “compreender”, “perceber”, “dizer a respeito”.
se é que exista uma linguagem forense para explicar o capenga, ela é a gambiarra que consegue atingir o pensamento sem se socializar, sem exatidão, mas sempre funcionando. e aqui sou eu na maior gambiarrice, atingindo a cidade sem clareza nem concisão e sem a preposição A. eu mergulho estrangeiristicamente no rio de janeiro. eu me situo por aqui, funciono, alcance com um toque capenga.
voltando de uma primavera fria na gringolândia de onde venho, atinjo o rio de janeiro com toda a força do meu estrangeirismo. alguns dias depois, a polícia “pacificadora” do morro dos macacos consegue atingir um menino de 8 anos com uma bala na cabeça. mesmo acostumado com esse tipo de notícia (algumas semanas antes, logo depois de invadir a maré, militares mataram uma criança de 4 anos e uma avó de 67 em poucos dias) sinto-me mais pessoalmente atingido pelo acontecimento no morro dos macacos. conheço algumas crianças de lá, que descem de vez em quanto para jogar capoeira com o grupo onde eu treino (capengamente e sem nenhum equilíbrio). não sei responder, não faço nada diretamente sobre o acontecimento além de escrever algumas poucas linhas que não mostro para ninguém.
a violência também é capenga, mas nem por isso deixa de ser eficaz. o forense responde tentando enquadrar a violência dentro de um regime claro, conciso, puro e preciso. por isso mesmo, o forense é violento por si só: representa uma invasão definitiva e decisiva à base de palavras quase inevitáveis.
É impossível rejeitar uma palavra estrangeiro; quando vem denominando um objeto novo, uma invenção, uma idéia. Neste caso, o recomendável é aportuguesar a palavra, como temos feitos com boné, turismo, uísque, Nova Iorque, etc.
o estrangeirismo que persiste sendo falado também é eficaz e tão essencial, quase inevitável, que não pode ser substituído. dizem que não dá para traduzir a palavra “saudades”. nem a palavra “capenga”, e nem “gambiarra”.
não é o caso de eu me sentir à vontade aqui por achar o brasil um país capenga, mas talvez seja por eu não ter que essencializar ou traduzir o que eu tenho de capenga. talvez seja que minha vontade venha por eu sentir uma permissividade de ser uma figura capenga por aqui. talvez eu estaria meio torto em qualquer lugar, mas é bom saber que o que eu mais tenho de capenga seriam justamente meus estrangeirismos: meu sotaque, modo de andar, uma certa falta de esperteza (ou talvez de malandragem).
sou gambiarrista, ou de repente gambiarreiro, e diariamente capenga. (o capenga forense seria tanto o protocolo de prorrogação do meu visto de estudante quanto as minhas constantes tentativas de convencer novos conhecidos que eu sou de brasília, ou do acre). o estrangeirismo sempre será uma gambiarra, uma identidade bricolada que, na falta de uma ferramenta mais oficialmente estruturada e capaz, serve para juntar línguas, pensamentos identitários e ritmos de se conduzir no mundo.
(eu soube por facebook que a melhor tradução entre 2 línguas é o beijo. e de fato, não me lembro de alguma vez ter gostado de um beijo forense.)
A crase representa essa construção:
a – preposição – palavra invariável
a – artigo feminino – palavra invariável
a crase se encontra quase presa, pré-determinada pela construção de relações entre palavras invariáveis.
a crase só consegue fugir desta inevitabilidade através do estrangeirismo, que nem no próprio nome do Edmundo Dantès Nascimento.
ou seja, a crase só se liberta da preposição A, só consegue atingir diretamente quando sai das determinações invariáveis para se jogar em colocações minimamente exóticas e potencialmente capengas.
(ou seja, o capenga propõe sempre alguma saída.)
Linguagem forense: a língua portuguesa aplicada à linguagem do foro de Edmundo Dantès Nascimento: revisão Ana Maria de Noronha Nascimento. 10 ed. atual e ampl., 7a tiragem. São Paulo:Saraiva, 1999. p. 3, 15, 32, 113.
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]]>São muitas anotações. São anotações que vão caindo pelas bordas do papel. Dos papéis colados na parede. Das ideias que se repetem, e que só na repetição com conjunções temporais tomam consistência. Aprendem umas com as outras, as ideias, e vão me avisando desse eu constituído entre elas. Processual, incompleto, excessivo. Esse eu constituído entre elas nem é um eu, é um intento de mergulho no excesso, no puro excesso que as concatena, as ideias, os eventos, as anotações. Intento intensivo. Sentido.
Produzimos por excesso. Por um fluxo aberto, ar-atmosférico, que vai elencando e anotando e sobrepondo e repetindo. E diferindo as coisas, o tudo mais, os restos. Vida é coisa em excesso, vida é coisa que só existe por meio de um excesso.
Não excesso como coisa secretada, expelida do aperto de outra coisa, estruturada. Não tanto resto, como em Jean Baudrillard, quando fala de um resto secretado por uma máquina (*). Sobre o excesso, que ele chama de resto, ele diz: “É sobre esse resto que a máquina social se relança e encontra uma nova energia.” Entre o excesso que eu quero falar o resto de Baudrillard pode não haver, portanto, muito desencontro.
Mas e que restos são esses? Perseguidos pela máquina social, produtiva? Na dinâmica que persegue as sobras, as minorias, a pequena gente, a mulher a parir (depois de espremida no saguão do hospital, provavelmente, ela tem que voltar a trabalhar num curtíssimo espaço de tempo), os restos seriam também aquilo tudo que pode ser novamente quantificado e reformatado na ordem de uma normalidade. Baudrillard de novo: “o resíduo pode ser à dimensão total do real. Quando um sistema absorveu tudo, quando se adicionou tudo, quando não resta nada, a soma toda reverte para o resto e torna-se resto.” Mas pode ser que hoje já nem haja mais resto, diz ele, “pelo fato de se estar em toda a parte.”
Nesse sentido o resto se torna o próprio excesso. O resto pode então reverter. (Reversibilidade que faz rir, diz ele.) E o excesso, assim como esse outro resto, pode ser que se faça na lógica da produção desejante, de um produzir que não pode passar pelo medir. Da efetuação de um desejo, de um produzir que se faz ele mesmo pelo desejo desmedido. O excesso é então aquela parte sempre acometida de um não, de um escape. De já se foi.
O excesso é assim acometido de outros sim. O excesso é assim autonomização pura da ficção, artificialidade pura, coisa secreta ela mesma (por si própria, para si própria), nem deixa rastros? Natureza pura do movimento, natureza pura de um fazer. Gozo incessante, manutenção do gozo, testosterona, cheiro de gente.
O excesso talvez não tenha estrutura, e tudo e qualquer coisa que se faça seja só coisa expressa pelos excessos. Excessos contudo disponíveis às neuroses, às medidas, às apropriações, fazendo que o mundo seja puro excesso, ao mesmo tempo que seja o mundo puro excesso medido, regulamentado, registrado, cortado, apropriado.
O excesso duvida da determinação que vem de fora, fazendo dela coisa cabisbaixa. Do que fazemos sabe o excesso de uma certa soberania, mas também de uma extrema vulgaridade. O excesso que deriva parece nos cercar. Ou será que somos, na verdade, feitos vulgares do excesso?
Há uma incongruência em arriscar dizer que há excessos improdutivos, visto que só há excessos produtivos, que são eles mesmos a coisa toda a fazer virar a atenção. A sintetização do excesso é nada mais que a natureza do controle, fazendo do controle uma estratégia estúpida que vem para codificar ou trilhar o que está se movimentando. Mas é que para mostrar o excesso, sem que sejamos engolidos por ele, precisamos do fragmento. Me parece que fragmentos produtivos são aqueles que carregam a intensidade do excesso em si, sem começo, e sem fim. Excesso como puro meio.
O excesso é, então, uma espécie de sublime, um sem bordas,
espaçoso, meio em descontrole, ao mesmo tempo pura ficção, e natureza pura
(*) Jean Baudrillard, “O resto”, Em Simulacros e simulação (1981) Lisboa: Antropos
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]]>(ecos de silêncio dos des//dobramento/s na escrita)
dar conta de si, cuidar-se, escutar-se
ver as horas passando onde quer que se esteja e ainda assim conseguir pensar além, mais adiante do que ainda está por fazer, mais para lá do que nossa biologia ou nossa biografia nos impõe
entender quando o que se anseia não é mais horas no espaço do dia, é mais humanidade, mais alegria como prova dos nove, mais espaços de troca e lugares de encontros que não se reduzam a responder demandas, que possam reverberar como acontecimentos
desviar o quanto possível das subjetividades que precisam responder a tudo de um modo estabelecido, normatizado, estanque (mas enfrentá-las se for necessário)
conseguir ainda assim operar cortes reais, mesmo que como micro-poros, nas múltiplas máquinas de moer gente que precisamos enfrentar no cotidiano, que nos anestesiam e estancam nossas forças de criação pois excluem o desejo, quase o apaga dos nossos corpos
(imagem 1)
permitir-se desdobrar o silêncio, fazê-lo ecoar em nossos vazios e deixá-los tornarem-se plenos, aceitá-los em sua dificuldade e sua potência, quando podemos perceber que o copo está vazio, mas ao mesmo tempo cheio de ar
arejar o espaço do pensamento, desafiá-lo, cartografá-lo considerando a potência performativa da vida e de seus nós (cortá-los quanto górdios) preparando o terreno para mudanças
(imagem 2)
os projetos//processos abordados no vocabpol são desdobrantes: irrompem provocando giros, saltos: são processos críticos progressivos: caldos de redução arte//política.
as proposições nascem e crescem nelas mesmas e noutras, escreve hélio oiticica em ‘as possibilidades do crelazer’. é por aí que pretendemos pensar o movimento provocado pelo termo desdobramento….. [seguir os desdobramentos em ho é como ir dos meandros das cosmococas aos parangolés, e daí a orgramurbana…. a apocalipopótese, a cães de caça,,,,,,, deslizar de projeto cajú a mitos vadios, em lances de retomada crítica//
desdobramentos são micro-processos ao longo dos quais surgem, e são reduzidos, diferentes feixes de questões…. daí, configuram-se outras regiões… em ritmo, temperatura, pressão, [clima?], cor, tato, olfato, paladar, múltiplos perceptos e afetos….
(imagem 3)
“oh, psychodélie!” – exclama gilles deleuze, a uma dada altura de Lógica do sentido. vamos tentar desdobrar estas notas a partir de experiências com a fagulha que se inscreve, se escreve…. uma espécie de marca vocabo-política, mas também uma partitura de ação, deflagrando novas páginas e comportamentos. [desejamos algo como o trecho torrencial de waly salomão, ao descrever os movimentos de ho, em desvio, com a bateria da mangueira, pelas bordas do mam, na opinião 65:
o ‘amigo da onça’ apareceu para bagunçar o coreto: hélio oiticica, sôfrego e ágil, com sua legião de hunos. ele estava programado mas não daquela forma bárbara que chegou, trazendo não apenas seus parangolés, mas conduzindo um cortejo que mais parecia uma congada feéria com suas tendas, estandartes e capas. que falta de boas maneiras! […] uma evidente atividade de subversão de valores e comportamentos. barrados no baile. impedidos de entrar. hélio, bravo no revertério, disparava seu fornido arsenal de palavrões: – merda! otários! racismo! crioulo não entra nesta porra! etc., etc., etc… (1)
nossa proposta é pensar numa redução entre os anos rebeldes da contra=cultura e esse início do terceiro milênio, segundo o ritmo da montagem/sampleagem que basbaum retomou em conversa durante a residência do vocab=pol na glória, [vivência voltada a desdobrar radicaixs-etc [vocábulos desdobrando-se uns nos outros, uns antes/depois/dentro dos outros, como no pensamento performativo da bitola, deflagrado pela loura git=mar. ou palavras e carne em atrito com a cidade, como no love de juliana=cavaleira.]
geléia adversa=adversa geléia: a dupla condensação, em estado de oposição, participa do contexto específico de um diagrama de basbaum, de 2008. relacionam-se em tensão, entre as três tríades que aparecem à oeste do plano, vizinhas:
(imagem 4)
parece que tais tríades trazem alguns pontos importantes para a nossa discussão: focaremos em: transatravessamento, adversa geléia, artista-etc. estes 3 termos podem funcionar como detonadores, lançando a discussão, e o desejo, sobre certas estratégias artísticas contemporâneas que, ao lado das outras tríades, formam essa estranha região [estranha e complexa]: a zona de interseção proposta pelo vocab=pol….. vocabulário político para processos estéticos.
provocando dobras críticas ao articular duas expressões-clichê, de ho e torquato [da adversidade vivemos, e geléia geral, respectivamente], o diagrama faz vibrar – aí nessa região – diferentes fases do circuito de arte carioca….. numa dessas fases, maldita!, desdobrar é como deflagrar, e se diz assim – diretamente da coluna de torquato (2):
o aterro, do saguão ao mar mais pensar agindo: orgramurbana: a quase corporalidade da significação………………………..
(1) waly salomão, hélio oiticica, qual é o parangolé? p. 59.
(2) “sobre orgramurbana. como uma carta para hélio oiticica”, luis otávio pimentel invadindo geléia geral, em 9 de dezembro de 1971.
Rio de Janeiro, 2014
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]]>etno- (grego éthnos, -eos, grupo de pessoas que vive em conjunto, povo)
elemento de composição
Exprime a noção de povo ou de etnia (ex.: etnodesenvolvimento).Empoderar
Significa em geral a ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de espaços privilegiados de decisões, de consciência social dos direitos sociais. (1)
Durante o processo de convivência na residência Capecete, no bairro da glória, onde diversos termos foram colados a prova, num redemoinho de exercício semântico para a criação de um “vocabulário político para processos estéticos”. È claro que em situações como essas nada é simplesmente, do almoço até a ultima palavra pronunciada, nós devoramo-nos uns aos outros numa espécie de fagia coletiva. E como alimentar tem capacidades de empoderar, seja o corpo ou a mente, o que me deixava mais interessado era como empoderar a postura? Quais elementos tornam a existência uma potencialidade?
Uma caminhada inicial no complexo de favelas da Maré me trouxe alguns pontos importantes sobre uma analise das potencialidades. Numa conversa despretensiosa com o Sr. Olympio no centro comunitário do Parque Maré. Entre palavra perdidas e olhares distantes, entendi que a memória senil e fragmentada possui características especificas para a indicação da produção de desejo, o que coloca o Sr. Olympio não somente no lugar da velhice, mas da desmemoria como fronteira. Sentado sobre uma cadeira de rodas, um rosto enrugado, sem alguns dentes, ele me conta sobre muitas vidas em paralelo às minhas perguntas sobre a intervenção militar na Maré. Seu sonhos com viagens longas, a lugares desérticos. Num outro ponto eqüidistante vejo uma placa:
(imagem 1)
A fim de produzir uma metodologia para uma pesquisa sobre as subjetividades em situação de poesia, desenvolvi por meio de rolés pessoais, uma estrutura para experimentação do diário de campo ampliado, propondo uma análise fragmentada por epifanias da minha desmemória. É importante imaginar o texto a seguir como um percurso, onde coexistem diversos personagens que cruzam os meus caminhos pela cidade, através de um destrinchamento analítico de dados adquiridos nos rolés para evidenciar a proposta de etnoemporamento como equação não linear de causa e efeito de uma endociência .
Rachaduras e Sabotagens
Deitei na cama estreita, meu quarto é simples, só uma cama e um criado-mudo. Sempre achei interessante conviver com a decadência. No meu quarto existem duas rachaduras, uma bem no centro que já esta se expandindo para mostrar melhor o osso do teto. É meio circular, vai se apoderando como uma mancha. A segunda é fina e sinuosa, serpenteia pelo espaço quase invisível.
Rachaduras são feitas por trepidações, desgaste natural da estrutura. Aparecem na primeira camada como linhas, protuberâncias, como um corpo que envelhece e se cansa. Daí a primeira camada que é só massa e tinta começam a sair, dando lugar ao osso (cimento). Como de costume, a qualquer sinal de decadência, os donos do lugar iniciam uma reforma.
Trepidar significa pequeno abalo, como a terra que está sempre em constante movimento, o que torna possível a existência da poeira, é em seu conteúdo vestígios de um ruir das estruturas. Rachaduras vão aumentando com o tempo, pois acumulam tempo.
No meu quarto as rachaduras vivem, expandem-se. Eu cultivo-as para que todos possam entender a não-reforma, a relação às vezes triste do fim reflexivo da estrutura.
(imagem2)
O Fracassado
Eu fracasso todos os dias
Fracasso como amigo
Fracasso como amante
Fracasso militante
Como nação
Eu desejei o melhor que podia haver em mim
Mas ninguém ira chorar pela minha vértebra
Fracassei como ícone.
Fracassei como torcida.
Os meus gritos aqui fracassam.
Outro dia perdi algumas pessoas.
Fracassei com elas.
Seja pelo meu intento, seja pela minha frustração.
É difícil desejar no outro tudo aquilo que dói em você
O fracassado é orgulhoso,
Luta pelo outro fracassado.
Caminha delirante consumindo felicidade na lata.
Bate no outro fracassado, querendo bater em si.
Sabotador natural, sempre auxilia no fracasso.
Para que vencer? Para que trabalho?
No fracasso o avanço esta no que desejo e não no que devo.
O fracasso tem um papel importante a cumprir.
Fracasso no texto que não rima que não encanta.
Fracasso como política de auto-reconhecimento.
No trópicos o fracasso nos une.
(imagem3)
Devir passarinho
A aproximação com os povos ditos índios não pareceu muito difícil, todos estão num momento de unir forças, seja de que lado for. Houve relatos muito fortes sobre a perseguição indígena pelos ruralistas. Há também um esforço político para a conquista da juventude e um chamado para os ancestrais perdidos no mundo urbano. O aprendiz de Pajé Ache, criou um curso, chamado Cosmologia da Floresta, que envolve um reconhecimento simbólico da fogueira como lugar central da discussão política e historia oral. Há muitos rituais com falas e discussão política da terra ancestral, junto ao que Ache chama de beijo do beija-flor, que são pequenas doses de ayáwaskha (1) e em alguns momentos cheirar o rapé para ajudar na limpeza.
As cenas eram incríveis, pois no meio da discussão alguns vomitavam e se sentiam bem com isso, pois se assemelhava a vomitar toda porcaria ideológica ocidental na qual estamos imersos. Ache acredita que só haverá mudança no trato com a população indígena através de trocas interculturais com auxilio da atitude performática para ritualizar a política e torná-la parte de nossa existência.
Agora, de fato, com essas experiências, tenho a idéia mais clara de como pensar a estrada como um trato à terra ancestral, criar com o que temos uma conexão tribalizante. Ritualizar por uma nova política.
(imagem4)
Praças e encruzas
(imagem5)
(2) DG -1
Hoje o dia acordou cinza, fui pego por uma angústia que eu nem mesmo sabia identificar. Mas como não se angustiar pelo vazio que existe entre eu e a vítima. Nunca gostei da noção de vítima ou vitimização, os pretos também têm direito ao erro, à preguiça, à raiva. Digo como preto e suburbano, daqueles que vivem na beira entre o abismo e o Brasil, para aqueles que possam entender que em toda alma de um negro existe um pouco de desterro. O exílio para além dos golpes, sobrevivendo à vertigem colonial de um povo que nunca desembarcou. A deriva negra, tão solitária e triste, sem língua, sem voz, corpo transeunte de uso expropriado, alimenta um sonho ancestral. A condição negra, a condição favelada, negar o outro para negar a sim mesmo. Cordeiros de Nanã, descendente de homens livres, de sorrisos sinceros, um princípio de esperança no deserto.
(imagem)
Banana Mon Amour
Todos são problemas histórico. A questão social deve ser levar em consideração manobras econômicas e sociais, mas racismo parte de um problema de etnocentrismo. O que seria dos povos outros se o ocidente tivesse acolhido a subjetividade como princípio de existência? É uma pergunta que não chega a ser uma utopia, mas um posicionamento crítico para pensar novas formas de lidar com o mundo. O Mundo não tem um problema de evolucionismo, mas sim de imagem. Ninguém estuda de fato Darwinismo, mas se conforta com imagens abstratas de ancestrais primatas, seqüenciados pedagogicamente num linha evolutiva que nunca existiu. Como o equívoco dos Índios serem Indianos e Negros, expõe-se um elo perdido da humanidade branca.
Alicerces de um ponto de vista míope de homens cansados de si mesmos pela descoberta do outro. Alterações de um ego cada vez maior, cada vez mais só. Pensamos num tempo linear, cronometramos nossa vida, fazemos aniversário numa contagem sempre apocalíptica.
A única política vigente para as humanidades de alteridade é uma participação econômica numa cosmologia capitalista de produtos de consumo cada vez mais contaminados pelo cinismo escravocrata de países que lutam por um lugar na economia mundial, transformando os degredados desmemoriados dos trópicos numa fábrica de auto-eliminação. Operações absurdas de planejamentos celulares de campos de extermínio, construção de perímetros não abolidos, venda de uma liberdade de existência falseada pela participação infantilizada, militarização de corpos livres, banana eu como com aveia e mel, muito mel!
(imagem)
“O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e de gente dizendo adeus.”
(Oswald de Andrade)
Notas
(1) Fonte http://www.dicionarioinformal.com.br
(2) DG era um ator e cantor morador do complexo Pavão-Pavãozinho. Ele foi torturado e assassinado por policiais da UPP do Pavão Pavãozinho nos dias em que estávamos reunidos no projeto do Vocabulinário. “DG – 1” dialoga com as camisetas de futebol que foram produzidas pelos diversos movimentos do #NãovaiterCopa.
(3) ayáwaskha: ‘cipó do morto’ ou ‘cipó do espírito’; de aya, ‘morto, defunto, espírito’, e waska, ‘cipó’; também chamada hoasca, daime, iagê ou mariri. Fonte: Wikipedia
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]]>+++ Entradas (com link para alguns textos aqui na página. se o texto que você quer ler não está disponível abaixo, faça download do livro no link acima ou aqui)
Anti-herói anônimo
O herói anti-herói e o anti-herói anônimo / Helio Oiticica (1968)
Cartaz Cara de Cavalo / Agência Transitiva
Mundo-rua / Tatiana Roque
Anotações relacionadas ao Anti-herói anônimo
Assembleias
As Assembleias populares na luta pela liberdade do Rio de Janeiro / Fernando Monteiro
Bagunça (Performance) / Matheus 04:19 / Raphi Soifer
Brasil | brasiu | Brazis / Cristina Ribas
Carta de não participação / Beatriz Lemos
Tem artista na Maré / Conversa da oficina interna transcrita
Cavalo
Poema do Cavalo / Daniela Mattos
Cavalo / diagrama / Cristina Ribas
Cavalgar em La Borde (trecho de Caosmose) / Felix Guattari
Complexidade
Complexidade / Cristina Ribas, parêntesis de Anamalia Ribas
Cartografias da Ditadura / Tiago Régis
Davi Marcos
Pequeno ajuntamento de postagens/pensamentos sobre um pedaço de realidade / Davi Marcos
des // dobramento // s
des//dobramento // s / Cecília Cotrim e Daniela Mattos
Bulário // estético // político / Cecília Cotrim
Diagrama / Tatiana Roque
Escrever
Escrever / Cristina Ribas
Escrita, Daniela Mattos
7 minutos de streaming de Rio na Rua / Transcrição de Luiza Cilente e Sara Uchoa, narração de Clara Medeiros
‘De quem é a ordem?’, transcrição de um trecho da manifestação 20 de Junho de 2013 / Luiza Cilente
Escuta
Escuta / André Mesquita
Caos – complexidade – escuta / Oficina Aldeia Gentil
Etnoempoderamento / Jeferson Andrade
Evento
Tarifa Zero em São Paulo / Graziela Kunsch
Evento / Rodrigo Nunes
Excerto de e-mail sobre reunião do Ocupa Alemão / Bruno Cava
Forense capenga / Raphi Soifer
Grupo de Educação Popular / André Bassères
Hidrosolidariedade / Giseli Vasconcelos
Humor / Geo Abreu
Carnavandalirização / Isabela Ferreira
Maternidade / Paternidade / Economia do Cuidado / Cristina Ribas, parêntesis de Barbara Lito
Justiceiras do Capivari / Steffania Paola
Lugar / Inês Nin
Manifestações / Inês Nin
Manifestações do ciclo de Junho, repressão na favela e ditadura / Davi Marcos
Manifesto Afetivista / Brian Holmes
MARÉ
Tem favela? / Davi Marcos
Cartilha para / manifesto contra / Breno Silva, Jeferson Andrade, Lucas Rodrigues, Lucas Sargentelli, Graziela Kunsch (colab.)
Eu sou da Maré / Josinaldo Medeiros
Sobre o ataque midiático e militar ao Complexo da Maré e ao Movimento / Pedro Mendes
MUDEZ / Annick Kleizen
Mulheres-violência
Pós pornô e feminismo / Juliana Dorneles
Violentas / Juliana Dorneles
Nós dizemos revolução (trecho) / Beatriz Preciado
Muro / Lucas Rodrigues
Muro / Juliana Dorneles
Praça de Bolso do Ciclista / Margit Leisner
RHR Glossário
Laura Lima conversando com alguns de nós sobre o Rhr (transcrição da conversa na oficina interna)
Sair / Inês Nin
Partir / Destruir / Expulsar / Vazar / Cristina Ribas
Tarifa Zero / O que a Tarifa Zero, os bancos e as concessionárias de automóveis poderiam ter em comum mas ainda não tem / Graziela Kunsch
Transdução / Pedro Mendes e Fernanda Kutwak
vocabulário cruzado / Agente Laranja (Kadija de Paula)
Recomendamos que você leia o texto editorial
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]]>// por Hélio Oiticica
23/03/1968
Para “Iconografia de Massas” de Frederico Morais ESDI
Em começos de 1965 quando germinava a idéia de uma homenagem a Cara de Cavalo, que só veio a se concretizar numa obra em maio de 1966 (Bólide-caixa nº18 – B33), o meu modo de ver, ou melhor a vivência que me levou a isso foi a que defini numa carta ao crítico inglês Guy Brett (12/abril/67) como um momento ético. Como se sabe, o caso de Cara de Cavalo tornou-se símbolo da opressão social sobre aquele que é ‘marginal’ – marginal a tudo nessa sociedade; o marginal. Mais ainda: a imprensa, a polícia, os políticos (Carlos Lacerda pessoalmente chefiou uma “blitz” ao mesmo, aliás como já o fizera em relação a outros anteriormente) – a sujeira opressiva, em síntese, elegeu Cara de Cavalo como bode expiatório, como inimigo público nº1 (já em 62 haviam feito o mesmo com Mineirinho e logo depois com Micuçu, tudo isso no governo Lacerda, que se tornou símbolo da opressão social policial, inclusive com o trágico caso dos mendigos afogados, etc.). Cara de Cavalo foi de certo modo vítima desse processo – não quero, aqui, isentá-lo de êrros, não quero dizer que tudo seja contingência – não, em absoluto! Pelo contrário, sei que de certo modo foi êle proprio o construtor do seu fim, o principal responsável pelos seus atos. O que quero mostrar, que originou a razão de ser de uma homenagem, é a maneira pela qual essa sociedade castrou tôda possibilidade da sua sobrevivência, como se fôra ela uma lepra, um mal incurável – imprensa, polícia, políticos, a mentalidade mórbida e canalha de uma sociedade baseada nos mais degradantes princípios, como é a nossa, colaboraram para torná-lo o símbolo daquele que deve morrer, e digo mais, morrer violentamente, com todo requinte canibalesco (o motivo chave para isso foi o assassinato, numa luta, do detetive LeCoq, do Esquadrão da Morte, organização policial que envergonharia qualquer sociedade de caráter, composta de policiais assassinos e degradados, que até hoje milita por aí com outras pessoas e outros nomes). Há como que um gôzo social nisto, mesmo nos que se dizem chocados ou sentem ‘pena’. Neste caso, a homenagem, longe do romantismo que a muitos faz parecer, seria um modo de objetivar o problema, mais do que lamentar um crime sociedade x marginal. Qual a oportunidade que têem os que são, pela sua neurose auto-destrutiva, levados a matar, ou roubar, etc. Pouca, ou seja, a sua vitalidade, a sua defesa interior, a sobrevivência que lhes resta, porque a sociedade mesmo, baseada em preconceitos, numa legislação caduca, minada em todos os sentidos pela máquina capitalista consumitiva, cria os seus ídolos anti-heróis como o animal a ser sacrificado.
Já outra vivência sobrevem a do ídolo anti-herói, ou seja, a do anti-herói anônimo, aquêle que, ao contrário de Cara de Cavalo, morre guardando no anonimato o silêncio terrível dos seus problemas, a sua experiência, seus recalques, sua frustração (claro que herói anti-herói, ou anônimo anti-herói, são, fundamentalmente a mesma coisa; essas definições são a forma com que seus casos aparecem no contexto social, como uma resultante) – o seu exemplo, o seu sacrifício, tudo cai no esquecimento como um feto parido. Numa outra obra (Bólide-caixa nº21 – B44 – 1966/67), quis eu, através de imagens plásticas e verbais exprimir essa vivência da tragédia do anonimato, ou melhor da incomunicabilidade daquêle que, no fundo, quer comunicar-se (o caso que me levou à vivência foi o do marginal Alcir Figueira da Silva, que ao se sentir alcançado pela polícia depois de assaltar um banco, ao meio dia, jogou fora o roubo e suicidou-se). Por que o suicídio? Que diabólica neurose (aliás tão shakesperiana) o teria levado a preferir a morte à prisão? Uma esperança perdida, o desespero dessa perda, mas qual perda? Uma idéia, sei lá se certa ou não, me veio: seria isto a busca da felicidade (aqui entendida como segurança, afeto, tudo o que envolveria a falta que ocasionou essa neurose)??? Mas, deixemos êsse problema para o nosso querido Hélio Pellegrino.
O certo é que tanto o ídolo, inimigo público nº1, quanto o anônimo são a mesma coisa: a revolta visceral, auto destrutiva, suicida, contra o contexto social fixo (“status quo” social). Esta revolta assume, para nós, a qualidade de um exemplo – êste exemplo é o da adversidade em relação a um estado social: a denúncia de que há algo podre, não neles, pobres marginais, mas na sociedade em que vivemos. Aqui isto aparece no plano visceral e imediato. Num outro plano, mais geral e com outras conotações estariam as mais heróicas experiências: Lampião, Zumbi dos Palmares, mais adiante o exemplo mais vivo em nós, grandioso e heróico, que é o de Guevara. O problema do marginal seria o estágio mais constantemente encontrado e primário, o da denúncia pelo comportamento cotidiano, o exemplo de que é necessária uma reforma social completa, até que surja algo, o dia em que não precise essa sociedade sacrificar tão cruelmente um Mineirinho, um Micuçu, um Cara de Cavalo. Aí, então seremos homens e antes de mais nada gente.
Texto disponível em fac-símile no site da Biblioteca Virtual do Itaú Cultural
Publicado com autorização do Projeto HO
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Batman, Amarildo, Claudia, Cineasta, Raposa, Estudantes, Classe sem educação, Gari, Sininho, Rafucko, P2, Black Bloc, Black Prof, Feminista, Bloco do Nhoque, Multidão …
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Black blocs e professores, midialivristras e garis, ocupas e rolezinhos, além de outros encontros explosivos: passe livre, sem-tetos, movimentos autônomos, advogados militantes, militantes partidários em fuga, estudantes, anarquistas, camelôs e outros tantos desgarrados.
(excerto do texto de Tatiana Roque)
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se vc for um pelego/trate logo correr/black profs são guerreirxs/elxs vão surpreender/ magistério é assim msm/bota o choque p correr…
Black Prof
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♫ Acelera COMLURB que eu quero vê. Esse lixo vai fedeeeeê! A prefeitura não deu aumento não. Esse lixo vai ficar todo no chão! ♫
Garis
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Qual a diferença entre o cabral e o eike, um acha que é rei, o outro acha que é sheik.
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Diante das manifestações, adote seu filho antes que um professor de história ou filosofia o adote.
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Mc Galo Galo
// por Adriana Facina
Intelectual militante? Da onde? Sindicato? Não, não acredito nessa forma de luta. Partido? Tampouco, não faço o jogo da política institucional. Movimentos sociais? Eh… não exatamente. Ah, entendi, desenvolve projetos de extensão universitária, ações voltadas pra democratização da universidade em que trabalha? Não tenho tempo pra isso. Bom, então, dado seu notório saber, deve prestar consultorias para apoiar demandas de indígenas, quilombolas, sem terra, favelados, lgbt ou qualquer outro grupo marginalizado? Todos esses são grupos sequestrados em suas subjetividades pela lógica estatal. Bom, então onde diabos você milita? Por aqui pelo face/twitter mesmo. Ah, tá bom. Então te dedico a música abaixo, direto da lavra do MC Galo Galo:
Se liga aí neguinho
Rapadura é doce mas não é mole
Se fui pobre não me lembro
Se fui rico me roubaram
Como dizia Bezerra da Silva
Malandro é malandro
E mané é mané
Eu perguntei geral responde
Tu é malandro da onde
Tu é malandro da onde
Eu perguntei geral responde
Tu é malandro da onde, neguin
Tu é malandro da onde
Decida com o pé no chão
Em cima do muro não pode ficar
Proibido não é o vacilo
Proibido é você vacilar
Água não se mistura com óleo
Óleo não se mistura com azeite
Já falei que malandro é malandro
E band-aid é band-aid
Eu perguntei geral responde
Tu é malandro da onde
Tu é malandro da onde
Eu perguntei geral responde
Tu é malandro da onde, neguin
Tu é malandro da onde
Tu é malandro da onde
Olha só
Nunca te vi na TV, seu maluco
Nunca te vi no jornal
Nunca te vi na revista
E mesmo assim se acha o tal
Você mente à vera
Se chamar pra batalha tá passando mal
Mas só com morador
Esse otário mandado perde a moral
Eu perguntei geral responde
Tu é malandro da onde
Tu é malandro da onde
Eu perguntei geral responde
Tu é malandro da onde, neguin
Tu é malandro da onde
Tu é malandro da onde
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]]>Durante o ano de 2013, as lutas populares avançaram na cidade do Rio de Janeiro. Lutas que ganharam corpo no movimento contra o aumento das passagens e que geraram um debate mais amplo sobre o sistema de transportes coletivos do estado e dos municípios. Rapidamente, a tomada das ruas pelas multidões gerou uma variedade muito maior de pautas, incluindo o direito à moradia, o questionamento da estrutura representativa dos movimentos tradicionais – especialmente com a atuação ambígua do SEPE na luta dos profissionais da educação -, a invisibilidade das camadas marginalizadas e periféricas da sociedade, a opressão racial e de gênero, os altos gastos públicos com a Copa do Mundo FIFA etc. As mobilizações massivas abriram a caixa de pandora das mazelas sociais brasileiras. Os cariocas se olharam no espelho e não gostaram do que viram, muitos abandonaram as ruas sob diversos pretextos que iam desde a suposta violência dos Black Blocs ao risco de cooptação pela direita. Uns bradavam a ameaça de golpe fascista, outros se assustavam e retraiam-se diante do o golpe fascista que já foi dado: a extrema violência policial sob os auspícios de governos. As justificativas para o esvaziamento das ruas foram tão heterogêneas quanto a multidão. Contudo, este esvaziamento não significou o fim das mobilizações, pelo contrário, elas se espalharam pelo o espaço geográfico da cidade e mantiveram uma frequência de Junho a Dezembro, sendo renovadas no começo do corrente ano.
A complexidade de conjuntura das ruas e dos diversos grupos, coletivos e indivíduos que constroem as manifestações e criam resistências através de discursos e ações supera qualquer breve contextualização. O que apresentamos aqui é um voo sobre a superfície do que é construído através de organismos políticos de deliberação. Num primeiro momento, as mobilizações mantiveram um caráter estudantil, seguindo as tradicionais formas de deliberação que os estudantes organizados utilizam historicamente nesta cidade. Contudo, a centralização das decisões produzida pelos métodos típicos dos partidos políticos e seus braços estudantis logo produziram dissidências nos fóruns. O que se tem hoje é um desejo profundo de horizontalidade na estrutura de deliberação e construção da luta, portanto, nada mais coerente do que se viu no Rio: a sequência entre esvaziamento de fóruns centralizados e proliferação de assembleias horizontais. Esse processo foi notado ainda em 2013 com o aparecimento de assembleias populares como a do Largo de São Francisco (desdobramento imediato do desapontamento com o fórum de lutas contra o aumento das passagens), a assembleia da câmara (inicialmente ligada à ocupação da câmara dos vereadores, mas que mantém suas atividades mesmo após as desocupações da câmara municipal e da praça em frente) e assembleias regionais ou de bairro como a do Méier, Tijuca, da Fronteira e Zona Oeste.
Além das assembleias nas ruas, foram experimentadas outras formas de organização e discussão através das redes sociais digitais, mas, o acesso desigual à internet ainda restringe o alcance e a eficácia dessas iniciativas. Por isso, as ruas e praças ainda são – e parecem estar longe de deixar de ser – os melhores espaços para construção dos processos de resistência popular, de relações anti e pós-capitalistas e para o debate do direito à cidade ou qualquer outra questão que clame por práticas plenamente democráticas, portanto, libertárias. Em outras palavras, construímos a cidade ao transformamos sua ocupação em prática cotidiana. É nas ruas e praças que alinhamos nossos desejos, construímos consensos e trabalhamos os dissensos, e este é o momento de avançar na expansão e construção de novas assembleias e no fortalecimento das que já foram construídas, promover o LIVRE DIÁLOGO entre elas e criar as pautas da cidade através das contingências urgentes geradas pelas interseções geográficas, afinidades e aproximações metodológicas de cada organismo autônomo.
Através do fortalecimento dessas práticas podemos gerar uma estrutura eficaz para a continuidade e o fortalecimento das lutas vivas na cidade do Rio de Janeiro. É o desejo de multiplicidade de métodos, táticas e espaços de deliberação se somando, mas não se restringindo aos fóruns universitários. Parece bem evidente que, a partir das assembleias regionais e de bairro, o povo pode exercitar a democracia e aliar o âmbito político ao econômico nas práticas que levarão as mudanças que desejamos. Acusarão de utopia a produção de uma estrutura política distribuída, livre e democrática para a gestão de nossa cidade. Desacreditarão que com essas práticas políticas possam surgir estruturas econômicas alternativas às vigentes. Mas a efetivação da emancipação popular e da liberdade é possível!
O que se viu até hoje na história foram vanguardas “iluminadas” tentando conduzir revoluções e logo se convertendo nas mais conservadoras elites. O que se vê é a invisibilidade proposital e um cruel apagamento dos registros históricos das práticas de conselhos de trabalho, assembleias regionais e de bairros durante tais processos revolucionários. Precisamos de mais análises críticas para entender o papel desses organismos espontâneos e populares que se criam em momentos de efervescência política. Eles surgem da necessidade de ruptura com os métodos em vias de serem superados e com os espaços que já não mais correspondem às necessidades organizativas. Organismos quase sempre destruídos pelo centralismo das velhas instituições partidárias que almejam controlar as estruturas do Estado, ignorando (ou não) que não será através dos espaços institucionais capitalistas que se criará uma ordem social justa e liberta.
Este é um apelo para que todos nós, coletivos e indivíduos, organizações e mentes livres, depositemos mais de nossos esforços na construção dessas estruturas horizontais, para que possibilitemos os encontros entre os corpos que lutam. Deles poderão surgir os métodos e estruturas adequadas para as necessidades de qualquer conjuntura. Encontraremos um ou mais caminhos através da prática e do exercício cotidiano da micropolítica pulverizada por todos os espaços possíveis.
Saudações Libertárias
Texto publicado originalmente em
Coletivo Das Lutas
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