glossários (de referência)

+++ Inserimos aqui alguns para-além-de-glossários  de outros grupos e projetos já publicados e que vêm sendo encontrados no processo de realização do projeto do Vocabulário político. Eles fazem parte de uma glossolália, de uma elaboração constante da intersecção de vocabulários estéticos e políticos. Grande parte está em outras línguas. Quando possível transduzimos ao menos um dos termos. Clique nos títulos para encontrar os glossários completos (pdfs).

 

(1) Contradictionary, CrimethInc.Ex Workers collective

Liderança

Um distúrbio patológico que atinge grupos sociais pelo qual a maioria se esforça para mostrar uma iniciativa ou refletir criticamente sobre suas ações.

Notícias

Um tipo de condicionamento mental composto de informação.

Todas as noites, os funcionários sobrecarregados de redes de notícias lutam para destilar algumas narrativas dos inúmeros acontecimentos do dia. Isso seria praticamente impossível se não fosse por sua predisposição e pelas agendas de seus empregadores. Não se deve olhar para os relatórios das empresas de mídia como “os” acontecimentos do dia, mas como manobras estratégicas no campo da atenção do público. Tais transmissões ainda pode ser informativas, desde que nos aproximemos delas como maquinações para ser decodificadas: esforços para estabelecer as bases para a repressão, as tentativas de desacreditar ou distrair, induções de medo e confusão. (…)

 

 

(2) Glosario para la vida, de Interferencia-co

Resistência

Se refiere a una vida política y ética, que reclama continuamente su propia autonomía.

No se trata de pensar el glosario como un esencialismo de palabras especializadas, “antigua lucha amarrada a un obsoleto lenguaje esencialista” (Sholette:2010,118), en el arte, el discurso se ha situado siempre desde una única verdad desde la individualidad del autor; por el contrario, aquí se da la voz a los contextos sociales, para que desde sus prácticas se definan las formas de operar, los intereses que están en juego, y las maneras de interacción y participación con otros y otras y el contexto y las circunstancias que mueven a estas colectividades a actuar.

 

 

(3) ABZ da Universidade Livre de Copenhagen

Comportamento deseconômico

O esforço para passar um tempo fora de produção capitalista -, subindo e descendo a escada rolante, caminhando sem rumo ao redor do bairro, dormindo durante o dia, … os devaneios, etc, etc Isso não é lazer – lazer faz parte do ciclo de comportamento produtivo – isto é um resíduo glorioso.

 

(4) Para um léxico de Usabilidade. Stephen Writght

Introdução

As últimas décadas presenciaram o que pode ser descrito como uma virada usológica em larga escala em vários setores da sociedade. Claro, pessoas vêm usando palavras e ferramentas, serviços e drogas, desde tempos incontáveis. Mas com o crescimento da cultura de rede, usuários tem assumido o papel chave de serem produtores de informação, significação e valor, quebrando a oposição de longa data entre consumo e produção. Com o declínio de tais categorias de subjetividade política e trabalho organizado, e com o declínio do consenso social-democrata, a usabilidade emergiu como uma alternativa não esperada, uma que não é nem clara nem bem quista por todos. A razão é que a usabilidade se move contra três edifícios conceituais robustos da ordem contemporânea: cultura especialista, para a qual existem muitos usos e maus-usos; espetacularidade (ou cultura do espetáculo), para a qual a utilidade é inerentemente oportunística e repleta de auto-interesse; e a mais entrincheirante de todas, o regime em expansão da propriedade, o qual procurou reduzir os direitos de uso de longa data. Ainda assim, a usabilidade permanece tenaz visto que é indisciplinada. A esfera cultural também enfrentou uma mudança. Movendo-se para longe da perseguição de uma função estética, muitos produtores* estão redefinindo seu engajamento com a arte, menos em termos de autoria do que como usuários de uma competência artística, insistindo que a arte cria valores de uso mais robustos e granha mais ‘mordida’ no real.

Desafiar tais instituições conceituais pode resultar desorientante, contudo, visto que as palavras mesmo e os conceitos usados por alguém para nomear e clarear práticas orientadas ao uso podem ainda não estar disponíveis. Muito subitamente iniciativas orientadas ao uso acabam recorrendo a uma captura de léxico de um vocabulário herdado da modernidade. Nenhum auto-entendimento genuino das categorias relacionais e dialéticas da usabilidade serão possíveis até que um léxico conceitual seja re-ferramentado. Isso requer tanto a aposentadoria de termos aparentemente auto-evidentes (e das instituições que eles nomeiam), assim como ao mesmo tempo a introdução de um grupo de conceitos emergentes. No espírito da usabilidade isso poderá ser feito melhor pela reproposição de termos até então olhados por alto e dos modos de uso dos mesmos, os quais permanecem operativos nas sombras lançadas pela cultura especialista modernista.

a causa e a origem de uma coisa e de sua eventual utilidade, sua empregabilidade atual e o lugar num sistema de razões, estão colocadas em mundos à parte; qualquer coisa que exista, tendo vindo a existir, é de novo e novamente reinterpretada a novas finalidades, assumida, tranformada e redirecionada por algum poder superior a isso; todos os eventos são subjugáveis, e empoderam, e todos as capacidades de subjugar e de empoderar envolvem uma interpretação fresca, uma adaptação pela qual nenhum “sentido” ou “razão” anterior são necessariamente obscurecidos ou mesmo obliterados.” (Nietzsche, On the Genealogy of Morals, II, 12.)

(*N. da T. O Autor usa o termo practitioners que pode ser traduzido literalmente por praticantes. Usamos em lugar daquele o termo produtores.) (trad. Cristina Ribas)

 

 

(5) Continental Drift, The Ground, 16 Beaver e Brian Holmes

Cartografia subjetiva

O assunto não é auto-evidente; não é suficiente pensar em ordem de ser, como Descartes declarou, uma vez que todos os tipos de outras formas de existência se estabelecem fora da consciência, e sempre que o pensamento tenta deliberadamente agarrar a si mesmo é provável que comece a rodar loucamente como um pião, sem se segurar em nenhum dos territórios reais de existência que derivam de uns e outros em todas as direções, como placas tectônicas sob a superfície dos continentes.


Ao invés de sobre um assunto, talvez devêssemos falar de componentes de subjetivação, cada um trabalhando mais ou menos por conta própria. Isso necessariamente nos leva a re-examinar a relação entre o indivíduo e a subjetividade, e acima de tudo, para fazer uma clara distinção entre os dois conceitos. Os vetores de subjetivação não necessariamente correm através do indivíduo, que, na realidade, aparece mais na posição de um “terminal” para processos que envolvam grupos humanos, complexos socio-econômicos, máquinas informacionais, etc. Assim, a interioridade surge na encruzilhada de múltiplos componentes, cada um relativamente autónomo, e, em alguns casos, discordantes, de forma positiva, uns em relação aos outros.


Hoje em dia resulta ainda muito difícil fazer tais argumentos serem ouvidos … É como se um super-ego científico exigisse que entidades psíquicas fossem reificadas, e insistisse que elas só pudessem ser abordadas através de coordenadas extrínsecas … Acho que é urgente livrarmo-nos de referências cientificistas e metáforas, a fim de forjar novos paradigmas de inspiração ético-estética. Além disso, não foram as melhores cartografias da psiquê, ou se preferir, o melhor a psicanálise, realizadas por Goethe, Proust, Joyce, Artaud e Beckett, ao invés de Freud, Jung e Lacan? … Eu considero a apreensão de uma realidade psíquica como inseparável da articulação da fala que lhe dá corpo, tanto como um fato e como um processo expressivo … a pré-condição para qualquer retomada da análise – através esquizoanálise, por exemplo – é que, como um regra geral, uma vez que se dá ao trabalho de trabalhar com eles, ambos articulações de subjetividade individuais e coletivos são potencialmente capazes de desenvolver e proliferar além do seu equilíbrio normal.


Pela sua própria natureza, as suas cartografias analíticas transbordam os territórios existenciais aos quais estão atribuídas. Assim, estas cartografias devem ser como a pintura e a literatura, domínios em que cada performance concreta é destinado a evoluir, inovar, inaugurar aberturas prospectivas, sem que seus autores precisem basear-se em fundamentos teóricos seguros ou a autoridade de um grupo, uma escola, um conservatório ou uma academia …


A ecologia social deveria trabalhar na reconstrução das relações humanas em todos os níveis do socius. A ecologia social nunca deveria perder de vista o fato de que o poder capitalista de uma vez deslocalizou e desterritorializou extensivamente, ao expandir seu império em na totalidade da vida social, econômica e cultural do planeta, e intensamente, infiltrando-se nos estratos mais subjetivos e inconscientes. Assim, não se pode mais afirmar que nos opomos a ele apenas pelo lado de fora, através dos sindicatos e da política tradicional. É igualmente imperativo enfrentar seus efeitos no domínio da ecologia mental no cotidiano: individual, doméstico, conjugal, na vizinhança, na dimensão criativa ou na ética pessoal. Em vez de buscar um consenso maçante e infantilizador, a ecologia social é uma questão de cultivar o dissenso e a produção singular da existência.
Félix Guattari, As três ecologias, 1989

(trad. Cristina Ribas)

(6) Revista Global, número 16, 2011

Indisciplina – Marina Bueno

Abril de 2011. Adentra uma escola da zona oeste do Rio um ex- aluno, aparentemente inofensivo. O rapaz de 23 anos se dirige à secretaria, onde solicita seu histórico escolar. De posse do documento, vai até a sala de leitura, alegando o desejo de rever uma ex-professora. Pouco tempo depois, 12 pessoas seriam mortas e uma grande comoção nacional se instauraria em torno daquela manhã de quinta feira.

O ocorrido na Escola Municipal Tasso da Silveira abriu espaço para um clamor por medidas de segurança nas escolas, seja de cunho preventivo (desarmamento da população), seja de cunho diretamente punitivo, na direção da construção de uma escola de segurança máxima1. A partir daí, escola e medo se juntaram no imaginário das pessoas. Indisciplina passou a ser constantemente identificada com violência. Conceitos e legislações2foram criados na tentativa de compreender e intervir nas manifestações de violência na escola. Professores foram convocados a identificar tendências violentas nos alunos, tornando secundárias as possibilidades de uma resposta propriamente pedagógica.

O convívio democrático passou a ser pensado a partir da necessidade de tornar as crianças e os jovens seres obedientes, pacíficos e resignados. Não que tais ideias já não estivessem presentes antes do ocorrido, mas nele puderam ser potencializadas, ganhando certa legitimidade social. Ampliaram-se os dispositivos de vigilância e controle nas escolas – do reforço das grades e cadeados à instalação de câmeras.

O episódio da escola de Realengo convoca os profissionais que atuam na educação do Rio a pensar em formas de trabalho com aquilo que se tornou sua principal demanda: as questões que envolvem a indisciplina dos alunos. Duas possibilidades se colocam neste âmbito: de um lado, práticas que tentam criminalizar alunos indisciplinados e suas famílias, e de outro, aquelas que consideram a indisciplina enquanto fruto do processo mesmo de disciplinarização. Esta última carrega uma grande potência de democratização do espaço escolar, uma vez que não toma o aluno indisciplinado como problema, mas as relações autoritárias e rigidamente hierárquicas em que ele está inserido.

Este é, pois, o ponto de partida que defendemos aqui: a transformação das “relações assimétricas institucionalizadas (estados de dominação)” da escola em “relações fluidas e reversíveis, abertas à experimentação de subjetivações que escapam aos estados de dominação3.

Ao contrário de impedir a emergência do conflito, pensamos justamente no seu oposto: produzi-lo, deixá-lo acontecer enquanto um momento do emergir das falas, de novos movimentos, da rebeldia que se opõe à forma como estão socialmente organizadas as escolas, baseadas em “uma relação de autoridade legitimada antes pela desigualdade e hierarquia do que pela negociação4.

A indisciplina pode assim ser pensada enquanto parte constitutiva da própria estratégia do poder que se exerce nas relações da escola, sendo gerada pelos mesmos mecanismos que visam o seu controle. Tal ideia se assenta na consideração de que à dimensão negativa do poder, responde sua face positiva. Isso quer dizer que ao lugar do domínio, uma pressão sempre móvel se exerce – a resistência.

Embora institucionalizados em legislações nacionais e municipais, os canais de participação efetiva dos alunos e famílias na escola (grêmios estudantis, conselho escola-comunidade, representantes de turma) são concebidos na prática enquanto cumprimento de regras pré-estabelecidas, sendo seus representantes escolhidos, na maioria das vezes, entre aqueles que apresentam bom comportamento.

Considerando que os valores, crenças e princípios que norteiam a cultura escolar são construídos pelo movimento das relações dos diferentes sujeitos, é preciso que estes espaços sejam (re)apropriados e extrapolados, revelandopráticas que possibilitem a resistência enquanto um processo afirmativo, entendendo que esta “não é unicamente uma negação: é um processo de criação; criar e recriar, transformar a situação, participar ativamente do processo, isto é resistir5.

Ações que possam facilitar a participação na escola, contribuem desta forma, para a construção de estruturas menos rígidas e para o enfraquecimento gradual de determinados aspectos culturais cristalizados na educação, que mantém seu modelo disciplinar original (próximos da disciplina das prisões e dos quartéis). Estas ações têm, a nosso ver, um importante papel democratizador no espaço escolar.

 

(7) Pesquisar na Diferença_Um Abecedário

“Nosso enfoque busca situar o pesquisar no âmbito daquilo que pode ser proliferado para diversas direções, cada qual de acordo com a potência dos corpos que pesquisam. Corpo implicado com planos de visão que, ao ultrapassarem o conjunto sensório-motor – perceber, agir e sentir –, lançam bases para a criação de novas imagens de mundo –, imagens-pensamento –, prenhes de potências de outros modos de fazer ver, para além do empírico, para além do corpo orgânico,para além do tempo cronológico, que apenas assinala posições notáveis no curso dos acontecimentos. Posições capazes de fazer emergir potências de transmutação, de invenção. Nos instantes quaisquer, nos espaços quaisquer, para extrair das banalidades e do ordinário que se passa, buscamos algo que nos force a pensar, não apenas algo que nos leve a reconhecer aquilo que já se tornou evidente. Buscamos vidência e não evidências. Buscamos tatear os virtuais contidos em nosso presente atual, como em um espelho partido –, para afi rmar que toda a imagem é bifacial, atual e virtual –, associada ao curso de um tempo que ultrapassa o efetuado, que é desmedido em suas infi nitas potências de se proliferar para além das representações, dos clichês e daquilo que já nos é familiar. Buscamos, na produção de conhecimentos, afi rmar outros possíveis, outros mundos coalescentes a esse nosso atual presente. Essa seria nossa política, essa seria nossa busca de reconciliação com aquilo que ainda não foi trazido à superfície e que ainda jaz nos lençóis do tempo como espera e suspensão em busca de agenciamento. Dar a ver mais do que acreditamos ver. Dar a ver aquilo que é imperceptível aos olhos de um paradigma de ciência que tem a tradição de apenas positivar aquilo que pode ver. Pesquisa-vidência que nunca seria concluída ou acabada, mas que, desde seus barrocos entrelaçamentos mentais, levaria a outros e tantos mais mundos quanto o nosso desejo permitir. Pesquisa-desejo forjada no abismo do não saber, em busca de algo a inventar, sem que seja, jamais, pesquisa transcendente, que buscaria em outras esferas que não o das imanências de seu campo empírico novos sentidos, novos devires, enfi m, a diferenciação.”

 

(8) Vocabulaboratories

 

 

 

 

 

 vocabpol em 18082014