O herói anti-herói e o anti-herói anônimo
// por Hélio Oiticica
23/03/1968
Para “Iconografia de Massas” de Frederico Morais ESDI
Em começos de 1965 quando germinava a idéia de uma homenagem a Cara de Cavalo, que só veio a se concretizar numa obra em maio de 1966 (Bólide-caixa nº18 – B33), o meu modo de ver, ou melhor a vivência que me levou a isso foi a que defini numa carta ao crítico inglês Guy Brett (12/abril/67) como um momento ético. Como se sabe, o caso de Cara de Cavalo tornou-se símbolo da opressão social sobre aquele que é ‘marginal’ – marginal a tudo nessa sociedade; o marginal. Mais ainda: a imprensa, a polícia, os políticos (Carlos Lacerda pessoalmente chefiou uma “blitz” ao mesmo, aliás como já o fizera em relação a outros anteriormente) – a sujeira opressiva, em síntese, elegeu Cara de Cavalo como bode expiatório, como inimigo público nº1 (já em 62 haviam feito o mesmo com Mineirinho e logo depois com Micuçu, tudo isso no governo Lacerda, que se tornou símbolo da opressão social policial, inclusive com o trágico caso dos mendigos afogados, etc.). Cara de Cavalo foi de certo modo vítima desse processo – não quero, aqui, isentá-lo de êrros, não quero dizer que tudo seja contingência – não, em absoluto! Pelo contrário, sei que de certo modo foi êle proprio o construtor do seu fim, o principal responsável pelos seus atos. O que quero mostrar, que originou a razão de ser de uma homenagem, é a maneira pela qual essa sociedade castrou tôda possibilidade da sua sobrevivência, como se fôra ela uma lepra, um mal incurável – imprensa, polícia, políticos, a mentalidade mórbida e canalha de uma sociedade baseada nos mais degradantes princípios, como é a nossa, colaboraram para torná-lo o símbolo daquele que deve morrer, e digo mais, morrer violentamente, com todo requinte canibalesco (o motivo chave para isso foi o assassinato, numa luta, do detetive LeCoq, do Esquadrão da Morte, organização policial que envergonharia qualquer sociedade de caráter, composta de policiais assassinos e degradados, que até hoje milita por aí com outras pessoas e outros nomes). Há como que um gôzo social nisto, mesmo nos que se dizem chocados ou sentem ‘pena’. Neste caso, a homenagem, longe do romantismo que a muitos faz parecer, seria um modo de objetivar o problema, mais do que lamentar um crime sociedade x marginal. Qual a oportunidade que têem os que são, pela sua neurose auto-destrutiva, levados a matar, ou roubar, etc. Pouca, ou seja, a sua vitalidade, a sua defesa interior, a sobrevivência que lhes resta, porque a sociedade mesmo, baseada em preconceitos, numa legislação caduca, minada em todos os sentidos pela máquina capitalista consumitiva, cria os seus ídolos anti-heróis como o animal a ser sacrificado.
Já outra vivência sobrevem a do ídolo anti-herói, ou seja, a do anti-herói anônimo, aquêle que, ao contrário de Cara de Cavalo, morre guardando no anonimato o silêncio terrível dos seus problemas, a sua experiência, seus recalques, sua frustração (claro que herói anti-herói, ou anônimo anti-herói, são, fundamentalmente a mesma coisa; essas definições são a forma com que seus casos aparecem no contexto social, como uma resultante) – o seu exemplo, o seu sacrifício, tudo cai no esquecimento como um feto parido. Numa outra obra (Bólide-caixa nº21 – B44 – 1966/67), quis eu, através de imagens plásticas e verbais exprimir essa vivência da tragédia do anonimato, ou melhor da incomunicabilidade daquêle que, no fundo, quer comunicar-se (o caso que me levou à vivência foi o do marginal Alcir Figueira da Silva, que ao se sentir alcançado pela polícia depois de assaltar um banco, ao meio dia, jogou fora o roubo e suicidou-se). Por que o suicídio? Que diabólica neurose (aliás tão shakesperiana) o teria levado a preferir a morte à prisão? Uma esperança perdida, o desespero dessa perda, mas qual perda? Uma idéia, sei lá se certa ou não, me veio: seria isto a busca da felicidade (aqui entendida como segurança, afeto, tudo o que envolveria a falta que ocasionou essa neurose)??? Mas, deixemos êsse problema para o nosso querido Hélio Pellegrino.
O certo é que tanto o ídolo, inimigo público nº1, quanto o anônimo são a mesma coisa: a revolta visceral, auto destrutiva, suicida, contra o contexto social fixo (“status quo” social). Esta revolta assume, para nós, a qualidade de um exemplo – êste exemplo é o da adversidade em relação a um estado social: a denúncia de que há algo podre, não neles, pobres marginais, mas na sociedade em que vivemos. Aqui isto aparece no plano visceral e imediato. Num outro plano, mais geral e com outras conotações estariam as mais heróicas experiências: Lampião, Zumbi dos Palmares, mais adiante o exemplo mais vivo em nós, grandioso e heróico, que é o de Guevara. O problema do marginal seria o estágio mais constantemente encontrado e primário, o da denúncia pelo comportamento cotidiano, o exemplo de que é necessária uma reforma social completa, até que surja algo, o dia em que não precise essa sociedade sacrificar tão cruelmente um Mineirinho, um Micuçu, um Cara de Cavalo. Aí, então seremos homens e antes de mais nada gente.
Texto disponível em fac-símile no site da Biblioteca Virtual do Itaú Cultural
Publicado com autorização do Projeto HO
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Batman, Amarildo, Claudia, Cineasta, Raposa, Estudantes, Classe sem educação, Gari, Sininho, Rafucko, P2, Black Bloc, Black Prof, Feminista, Bloco do Nhoque, Multidão …
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Black blocs e professores, midialivristras e garis, ocupas e rolezinhos, além de outros encontros explosivos: passe livre, sem-tetos, movimentos autônomos, advogados militantes, militantes partidários em fuga, estudantes, anarquistas, camelôs e outros tantos desgarrados.
(excerto do texto de Tatiana Roque)
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se vc for um pelego/trate logo correr/black profs são guerreirxs/elxs vão surpreender/ magistério é assim msm/bota o choque p correr…
Black Prof
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♫ Acelera COMLURB que eu quero vê. Esse lixo vai fedeeeeê! A prefeitura não deu aumento não. Esse lixo vai ficar todo no chão! ♫
Garis
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Qual a diferença entre o cabral e o eike, um acha que é rei, o outro acha que é sheik.
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Diante das manifestações, adote seu filho antes que um professor de história ou filosofia o adote.
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Mc Galo Galo
// por Adriana Facina
Intelectual militante? Da onde? Sindicato? Não, não acredito nessa forma de luta. Partido? Tampouco, não faço o jogo da política institucional. Movimentos sociais? Eh… não exatamente. Ah, entendi, desenvolve projetos de extensão universitária, ações voltadas pra democratização da universidade em que trabalha? Não tenho tempo pra isso. Bom, então, dado seu notório saber, deve prestar consultorias para apoiar demandas de indígenas, quilombolas, sem terra, favelados, lgbt ou qualquer outro grupo marginalizado? Todos esses são grupos sequestrados em suas subjetividades pela lógica estatal. Bom, então onde diabos você milita? Por aqui pelo face/twitter mesmo. Ah, tá bom. Então te dedico a música abaixo, direto da lavra do MC Galo Galo:
Se liga aí neguinho
Rapadura é doce mas não é mole
Se fui pobre não me lembro
Se fui rico me roubaram
Como dizia Bezerra da Silva
Malandro é malandro
E mané é mané
Eu perguntei geral responde
Tu é malandro da onde
Tu é malandro da onde
Eu perguntei geral responde
Tu é malandro da onde, neguin
Tu é malandro da onde
Decida com o pé no chão
Em cima do muro não pode ficar
Proibido não é o vacilo
Proibido é você vacilar
Água não se mistura com óleo
Óleo não se mistura com azeite
Já falei que malandro é malandro
E band-aid é band-aid
Eu perguntei geral responde
Tu é malandro da onde
Tu é malandro da onde
Eu perguntei geral responde
Tu é malandro da onde, neguin
Tu é malandro da onde
Tu é malandro da onde
Olha só
Nunca te vi na TV, seu maluco
Nunca te vi no jornal
Nunca te vi na revista
E mesmo assim se acha o tal
Você mente à vera
Se chamar pra batalha tá passando mal
Mas só com morador
Esse otário mandado perde a moral
Eu perguntei geral responde
Tu é malandro da onde
Tu é malandro da onde
Eu perguntei geral responde
Tu é malandro da onde, neguin
Tu é malandro da onde
Tu é malandro da onde