des // dobramento // s

// Por Cecília Cotrim e Daniela Mattos

(ecos de silêncio dos des//dobramento/s na escrita)

dar conta de si, cuidar-se, escutar-se

ver as horas passando onde quer que se esteja e ainda assim conseguir pensar além, mais adiante do que ainda está por fazer, mais para lá do que nossa biologia ou nossa biografia nos impõe

entender quando o que se anseia não é mais horas no espaço do dia, é mais humanidade, mais alegria como prova dos nove, mais espaços de troca e lugares de encontros que não se reduzam a responder demandas, que possam reverberar como acontecimentos

desviar o quanto possível das subjetividades que precisam responder a tudo de um modo estabelecido, normatizado, estanque (mas enfrentá-las se for necessário)

conseguir ainda assim operar cortes reais, mesmo que como micro-poros, nas múltiplas máquinas de moer gente que precisamos enfrentar no cotidiano, que nos anestesiam e estancam nossas forças de criação pois excluem o desejo, quase o apaga dos nossos corpos

(imagem 1)

permitir-se desdobrar o silêncio, fazê-lo ecoar em nossos vazios e deixá-los tornarem-se plenos, aceitá-los em sua dificuldade e sua potência, quando podemos perceber que o copo está vazio, mas ao mesmo tempo cheio de ar

arejar o espaço do pensamento, desafiá-lo, cartografá-lo considerando a potência performativa da vida e de seus nós (cortá-los quanto górdios) preparando o terreno para mudanças

(imagem 2)

os projetos//processos abordados no vocabpol são desdobrantes: irrompem provocando giros, saltos: são processos críticos progressivos: caldos de redução arte//política.
as proposições nascem e crescem nelas mesmas e noutras, escreve hélio oiticica em ‘as possibilidades do crelazer’. é por aí que pretendemos pensar o movimento provocado pelo termo desdobramento….. [seguir os desdobramentos em ho é como ir dos meandros das cosmococas aos parangolés, e daí a orgramurbana…. a apocalipopótese, a cães de caça,,,,,,, deslizar de projeto cajú a mitos vadios, em lances de retomada crítica//
desdobramentos são micro-processos ao longo dos quais surgem, e são reduzidos, diferentes feixes de questões…. daí, configuram-se outras regiões… em ritmo, temperatura, pressão, [clima?], cor, tato, olfato, paladar, múltiplos perceptos e afetos….

(imagem 3)

“oh, psychodélie!” – exclama gilles deleuze, a uma dada altura de Lógica do sentido. vamos tentar desdobrar estas notas a partir de experiências com a fagulha que se inscreve, se escreve…. uma espécie de marca vocabo-política, mas também uma partitura de ação, deflagrando novas páginas e comportamentos. [desejamos algo como o trecho torrencial de waly salomão, ao descrever os movimentos de ho, em desvio, com a bateria da mangueira, pelas bordas do mam, na opinião 65:

o ‘amigo da onça’ apareceu para bagunçar o coreto: hélio oiticica, sôfrego e ágil, com sua legião de hunos. ele estava programado mas não daquela forma bárbara que chegou, trazendo não apenas seus parangolés, mas conduzindo um cortejo que mais parecia uma congada feéria com suas tendas, estandartes e capas. que falta de boas maneiras! […] uma evidente atividade de subversão de valores e comportamentos. barrados no baile. impedidos de entrar. hélio, bravo no revertério, disparava seu fornido arsenal de palavrões: – merda! otários! racismo! crioulo não entra nesta porra! etc., etc., etc… (1)

nossa proposta é pensar numa redução entre os anos rebeldes da contra=cultura e esse início do terceiro milênio, segundo o ritmo da montagem/sampleagem que basbaum retomou em conversa durante a residência do vocab=pol na glória, [vivência voltada a desdobrar radicaixs-etc [vocábulos desdobrando-se uns nos outros, uns antes/depois/dentro dos outros, como no pensamento performativo da bitola, deflagrado pela loura git=mar. ou palavras e carne em atrito com a cidade, como no love de juliana=cavaleira.]
geléia adversa=adversa geléia: a dupla condensação, em estado de oposição, participa do contexto específico de um diagrama de basbaum, de 2008. relacionam-se em tensão, entre as três tríades que aparecem à oeste do plano, vizinhas:

(imagem 4)

parece que tais tríades trazem alguns pontos importantes para a nossa discussão: focaremos em: transatravessamento, adversa geléia, artista-etc. estes 3 termos podem funcionar como detonadores, lançando a discussão, e o desejo, sobre certas estratégias artísticas contemporâneas que, ao lado das outras tríades, formam essa estranha região [estranha e complexa]: a zona de interseção proposta pelo vocab=pol….. vocabulário político para processos estéticos.

provocando dobras críticas ao articular duas expressões-clichê, de ho e torquato [da adversidade vivemos, e geléia geral, respectivamente], o diagrama faz vibrar – aí nessa região – diferentes fases do circuito de arte carioca…..   numa dessas fases, maldita!, desdobrar é como deflagrar, e se diz assim – diretamente da coluna de torquato (2):
o aterro, do saguão ao mar mais pensar agindo: orgramurbana: a quase corporalidade da significação………………………..

(1) waly salomão, hélio oiticica, qual é o parangolé? p. 59.
(2) “sobre orgramurbana. como uma carta para hélio oiticica”, luis otávio pimentel invadindo geléia geral, em 9 de dezembro de 1971.

Rio de Janeiro, 2014

 

 

 

 

 

 

 

 

 vocabpol em 26052016 entradas

Etnoempoderamento

// por Jeferson Andrade

etno-  
(grego  éthnos,  -eos,  grupo  de  pessoas  que  vive  em  conjunto,  povo)
elemento de composição
Exprime  a  noção  de  povo  ou  de  etnia  (ex.:  etnodesenvolvimento).

Empoderar
Significa em geral a ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de espaços privilegiados de decisões, de consciência social dos direitos sociais. (1)

Durante o processo de convivência na residência Capecete, no bairro da glória, onde diversos termos foram colados a prova, num redemoinho de exercício semântico para a criação de um “vocabulário político para processos estéticos”. È claro que em situações como essas nada é simplesmente, do almoço até a ultima palavra pronunciada, nós devoramo-nos uns aos outros numa espécie de fagia coletiva. E como alimentar tem capacidades de empoderar, seja o corpo ou a mente, o que me deixava mais interessado era como empoderar a postura? Quais elementos tornam a existência uma potencialidade?
Uma caminhada inicial no complexo de favelas da Maré me trouxe alguns pontos importantes sobre uma analise das potencialidades. Numa conversa despretensiosa com o Sr. Olympio no centro comunitário do Parque Maré. Entre palavra perdidas e olhares distantes, entendi que a memória senil e fragmentada possui características especificas para a indicação da produção de desejo, o que coloca o Sr. Olympio não somente no lugar da velhice, mas da desmemoria como fronteira. Sentado sobre uma cadeira de rodas, um rosto enrugado, sem alguns dentes, ele me conta sobre muitas vidas em paralelo às minhas perguntas sobre a intervenção militar na Maré. Seu sonhos com viagens longas, a lugares desérticos. Num outro ponto eqüidistante vejo uma placa:

(imagem 1)

A fim de produzir uma metodologia para uma pesquisa sobre as subjetividades em situação de poesia, desenvolvi por meio de rolés pessoais, uma estrutura para experimentação do diário  de campo ampliado, propondo uma análise fragmentada por epifanias da minha desmemória. É importante imaginar o texto a seguir como um percurso, onde coexistem diversos personagens que cruzam os meus caminhos pela cidade, através de um destrinchamento analítico de dados adquiridos nos rolés para evidenciar a proposta de etnoemporamento como equação não linear  de causa e efeito de uma endociência .
Rachaduras e Sabotagens
Deitei na cama estreita, meu quarto é simples, só uma cama e um criado-mudo. Sempre achei interessante conviver com a decadência. No meu quarto existem duas rachaduras, uma bem no centro que já esta se expandindo para mostrar melhor o osso do teto. É meio circular, vai se apoderando como uma mancha. A segunda é fina e sinuosa, serpenteia pelo espaço quase invisível.
Rachaduras são feitas por trepidações, desgaste natural da estrutura. Aparecem na primeira camada como linhas, protuberâncias, como um corpo que envelhece e se cansa. Daí a primeira camada que é só massa e tinta começam a sair, dando lugar ao osso (cimento). Como de costume, a qualquer sinal de decadência, os donos do lugar iniciam uma reforma.
Trepidar significa pequeno abalo, como a terra que está sempre em constante movimento, o que torna possível a existência da poeira, é em seu conteúdo vestígios de um ruir das estruturas. Rachaduras vão aumentando com o tempo, pois acumulam tempo.
No meu quarto as rachaduras vivem, expandem-se. Eu cultivo-as  para que todos possam entender a não-reforma,  a relação às vezes triste do fim reflexivo da estrutura.
(imagem2)
O Fracassado
Eu fracasso todos os dias
Fracasso como amigo
Fracasso como amante
Fracasso militante
Como nação

Eu desejei o melhor que podia haver em mim
Mas ninguém ira chorar pela minha vértebra
Fracassei como ícone.
Fracassei como torcida.
Os meus gritos aqui fracassam.

Outro dia perdi algumas pessoas.
Fracassei com elas.
Seja pelo meu intento, seja pela minha frustração.
É difícil desejar no outro tudo aquilo que dói em você

O fracassado é orgulhoso,
Luta pelo outro fracassado.
Caminha delirante consumindo felicidade na lata.
Bate no outro fracassado, querendo bater em si.
Sabotador natural, sempre auxilia no fracasso.
Para que vencer? Para que trabalho?
No fracasso o avanço esta no que desejo e não no que devo.

O fracasso tem um papel importante a cumprir.
Fracasso no texto que não rima que não encanta.
Fracasso como política de auto-reconhecimento.
No trópicos o fracasso nos une.
(imagem3)
Devir passarinho
A aproximação com os povos ditos índios não pareceu muito difícil, todos estão num momento de unir forças, seja de que lado for. Houve relatos muito fortes sobre a perseguição indígena pelos ruralistas. Há também um esforço político para a conquista da juventude e um chamado para os ancestrais perdidos no mundo urbano. O aprendiz de Pajé Ache, criou um curso, chamado Cosmologia da Floresta, que envolve um reconhecimento simbólico da fogueira como lugar central da discussão política e historia oral. Há muitos rituais com falas e discussão política da terra ancestral, junto ao que Ache chama de beijo do beija-flor, que são pequenas doses de ayáwaskha (1) e em alguns momentos cheirar o rapé para ajudar na limpeza.
As cenas eram incríveis, pois no meio da discussão alguns vomitavam e se sentiam bem com isso, pois se assemelhava a vomitar toda porcaria ideológica ocidental na qual estamos imersos. Ache acredita que só haverá mudança no trato com a população indígena através de trocas interculturais com auxilio da atitude performática para ritualizar a política e torná-la parte de nossa existência.
Agora, de fato, com essas experiências, tenho a idéia mais clara de como pensar a estrada como um trato à terra ancestral, criar com o que temos uma conexão tribalizante. Ritualizar por uma nova política.
(imagem4)
Praças e encruzas
(imagem5)

(2) DG -1
Hoje o dia acordou cinza, fui pego por uma angústia que eu nem mesmo sabia identificar. Mas como não se angustiar pelo vazio que existe entre eu e a vítima. Nunca gostei da noção de vítima ou vitimização, os pretos também têm direito ao erro, à preguiça, à raiva. Digo como preto e suburbano, daqueles que vivem na beira entre o abismo e o Brasil, para aqueles que possam entender que em toda alma de um negro existe um pouco de desterro. O exílio para além dos golpes, sobrevivendo à vertigem colonial de um povo que nunca desembarcou. A deriva negra, tão solitária e triste, sem língua, sem voz, corpo transeunte de uso expropriado, alimenta um sonho ancestral. A condição negra, a condição favelada, negar o outro para negar a sim mesmo. Cordeiros de Nanã, descendente de homens livres, de sorrisos sinceros, um princípio de esperança no deserto.
(imagem)
Banana Mon Amour
Todos são problemas histórico. A questão social deve ser levar em consideração manobras econômicas e sociais, mas racismo parte de um problema de etnocentrismo. O que seria dos povos outros se o ocidente tivesse acolhido a subjetividade como princípio de existência? É uma pergunta que não chega a ser uma utopia, mas um posicionamento crítico para pensar novas formas de lidar com o mundo. O Mundo não tem um problema de evolucionismo, mas sim de imagem. Ninguém estuda de fato Darwinismo, mas se conforta com imagens abstratas de ancestrais primatas, seqüenciados pedagogicamente num linha evolutiva que nunca existiu. Como o equívoco dos Índios serem Indianos e Negros, expõe-se um elo perdido da humanidade branca.
Alicerces de um ponto de vista míope de homens cansados de si mesmos pela descoberta do outro. Alterações de um ego cada vez maior, cada vez mais só. Pensamos num tempo linear, cronometramos nossa vida, fazemos aniversário numa contagem sempre apocalíptica.
A única política vigente para as humanidades de alteridade é uma participação econômica numa cosmologia capitalista de produtos de consumo cada vez mais contaminados pelo cinismo escravocrata de países que lutam por um lugar na economia mundial, transformando os degredados desmemoriados dos trópicos numa fábrica de auto-eliminação. Operações absurdas de planejamentos celulares de campos de extermínio, construção de perímetros não abolidos, venda de uma liberdade de existência falseada pela participação infantilizada, militarização de corpos livres, banana eu como com aveia e mel, muito mel!
(imagem)
“O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e de gente dizendo adeus.”
(Oswald de Andrade)
Notas
(1)    Fonte http://www.dicionarioinformal.com.br
(2)    DG era um ator e cantor morador do complexo Pavão-Pavãozinho. Ele foi torturado e assassinado por policiais da UPP do Pavão Pavãozinho nos dias em que estávamos reunidos no projeto do Vocabulinário. “DG – 1” dialoga com as camisetas de futebol que foram produzidas pelos diversos movimentos do #NãovaiterCopa.
(3) ayáwaskha: ‘cipó do morto’ ou ‘cipó do espírito’; de aya, ‘morto, defunto, espírito’, e waska, ‘cipó’; também chamada hoasca, daime, iagê ou mariri. Fonte: Wikipedia
 

 

vocab

+++ O livro Vocabulário político para processos estéticos está online!

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livro: vocabulário político para processos estéticos

 +++ Entradas (com link para alguns textos aqui na página. se o texto que você quer ler não está disponível abaixo, faça download do livro no link acima ou aqui)

Anti-herói anônimo
O herói anti-herói e o anti-herói anônimo / Helio Oiticica (1968)
Cartaz Cara de Cavalo / Agência Transitiva
Mundo-rua / Tatiana Roque
Anotações relacionadas ao Anti-herói anônimo

Assembleias
As Assembleias populares na luta pela liberdade do Rio de Janeiro / Fernando Monteiro

Bagunça (Performance) / Matheus 04:19 / Raphi Soifer

Brasil | brasiu | Brazis / Cristina Ribas

Carta de não participação / Beatriz Lemos
Tem artista na Maré / Conversa da oficina interna transcrita

Cavalo
Poema do Cavalo / Daniela Mattos
Cavalo / diagrama / Cristina Ribas
Cavalgar em La Borde (trecho de Caosmose) / Felix Guattari

Complexidade
Complexidade / Cristina Ribas, parêntesis de Anamalia Ribas
Cartografias da Ditadura / Tiago Régis

Conspiração / André Mesquita

Davi Marcos
Pequeno ajuntamento de postagens/pensamentos sobre um pedaço de realidade / Davi Marcos

des // dobramento // s
des//dobramento // s  / Cecília Cotrim e Daniela Mattos
Bulário // estético // político / Cecília Cotrim

Diagrama / Tatiana Roque

Escrever
Escrever / Cristina Ribas
Escrita, Daniela Mattos
7 minutos de streaming de Rio na Rua / Transcrição de Luiza Cilente e Sara Uchoa, narração de Clara Medeiros
‘De quem é a ordem?’, transcrição de um trecho da manifestação 20 de Junho de 2013 / Luiza Cilente

Escuta
Escuta / André Mesquita
Caos – complexidade – escuta / Oficina Aldeia Gentil

Estratégia / Julia Ruiz

Etnoempoderamento / Jeferson Andrade
Evento
Tarifa Zero em São Paulo / Graziela Kunsch
Evento / Rodrigo Nunes
Excerto de e-mail sobre reunião do Ocupa Alemão / Bruno Cava

Excesso / Cristina Ribas

Experiência / Breno Silva

Forense capenga / Raphi Soifer

Grupo de Educação Popular / André Bassères

Hidrosolidariedade  / Giseli Vasconcelos

Humor / Geo Abreu
Carnavandalirização / Isabela Ferreira

Infraestrutura

Maternidade / Paternidade / Economia do Cuidado / Cristina Ribas, parêntesis de Barbara Lito
Justiceiras do Capivari / Steffania Paola

Lugar / Inês Nin

Manifestações / Inês Nin
Manifestações do ciclo de Junho, repressão na favela e ditadura / Davi Marcos

Manifesto Afetivista / Brian Holmes

MARÉ
Tem favela? / Davi Marcos
Cartilha para / manifesto contra / Breno Silva, Jeferson Andrade, Lucas Rodrigues, Lucas Sargentelli, Graziela Kunsch (colab.)
Eu sou da Maré / Josinaldo Medeiros
Sobre o ataque midiático e militar ao Complexo da Maré e ao Movimento / Pedro Mendes

MUDEZ  / Annick Kleizen

Mulheres-violência
Pós pornô e feminismo / Juliana Dorneles
Violentas / Juliana Dorneles
Nós dizemos revolução (trecho) / Beatriz Preciado

Muro / Lucas Rodrigues
Muro / Juliana Dorneles

Praça de Bolso do Ciclista / Margit Leisner

RHR Glossário
Laura Lima conversando com alguns de nós sobre o Rhr  (transcrição da conversa na oficina interna)

Sair / Inês Nin
Partir / Destruir / Expulsar / Vazar /  Cristina Ribas

Tarifa Zero / O que a Tarifa Zero, os bancos e as concessionárias de automóveis poderiam ter em comum mas ainda não tem  / Graziela Kunsch

Transdução / Pedro Mendes e Fernanda Kutwak

Vizinhança / Enrico Rocha

vocabulário cruzado / Agente Laranja (Kadija de Paula)

 

#radicais


Recomendamos que você leia o texto editorial

Para ler em voz alta

 vocabpol em 05012015 entradas, livro

Anti-herói anônimo

O herói anti-herói e o anti-herói anônimo

// por Hélio Oiticica

23/03/1968

Para “Iconografia de Massas” de Frederico Morais ESDI

Em começos de 1965 quando germinava a idéia de uma homenagem a Cara de Cavalo, que só veio a se concretizar numa obra em maio de 1966 (Bólide-caixa nº18 – B33), o meu modo de ver, ou melhor a vivência que me levou a isso foi a que defini numa carta ao crítico inglês Guy Brett (12/abril/67) como um momento ético. Como se sabe, o caso de Cara de Cavalo tornou-se símbolo da opressão social sobre aquele que é ‘marginal’ – marginal a tudo nessa sociedade; o marginal. Mais ainda: a imprensa, a polícia, os políticos (Carlos Lacerda pessoalmente chefiou uma “blitz” ao mesmo, aliás como já o fizera em relação a outros anteriormente) – a sujeira opressiva, em síntese, elegeu Cara de Cavalo como bode expiatório, como inimigo público nº1 (já em 62 haviam feito o mesmo com Mineirinho e logo depois com Micuçu, tudo isso no governo Lacerda, que se tornou símbolo da opressão social policial, inclusive com o trágico caso dos mendigos afogados, etc.). Cara de Cavalo foi de certo modo vítima desse processo – não quero, aqui, isentá-lo de êrros, não quero dizer que tudo seja contingência – não, em absoluto! Pelo contrário, sei que de certo modo foi êle proprio o construtor do seu fim, o principal responsável pelos seus atos. O que quero mostrar, que originou a razão de ser de uma homenagem, é a maneira pela qual essa sociedade castrou tôda possibilidade da sua sobrevivência, como se fôra ela uma lepra, um mal incurável – imprensa, polícia, políticos, a mentalidade mórbida e canalha de uma sociedade baseada nos mais degradantes princípios, como é a nossa, colaboraram para torná-lo o símbolo daquele que deve morrer, e digo mais, morrer violentamente, com todo requinte canibalesco (o motivo chave para isso foi o assassinato, numa luta, do detetive LeCoq, do Esquadrão da Morte, organização policial que envergonharia qualquer sociedade de caráter, composta de policiais assassinos e degradados, que até hoje milita por aí com outras pessoas e outros nomes). Há como que um gôzo social nisto, mesmo nos que se dizem chocados ou sentem ‘pena’. Neste caso, a homenagem, longe do romantismo que a muitos faz parecer, seria um modo de objetivar o problema, mais do que lamentar um crime sociedade x marginal. Qual a oportunidade que têem os que são, pela sua neurose auto-destrutiva, levados a matar, ou roubar, etc. Pouca, ou seja, a sua vitalidade, a sua defesa interior, a sobrevivência que lhes resta, porque a sociedade mesmo, baseada em preconceitos, numa legislação caduca, minada em todos os sentidos pela máquina capitalista consumitiva, cria os seus ídolos anti-heróis como o animal a ser sacrificado.

Já outra vivência sobrevem a do ídolo anti-herói, ou seja, a do anti-herói anônimo, aquêle que, ao contrário de Cara de Cavalo, morre guardando no anonimato o silêncio terrível dos seus problemas, a sua experiência, seus recalques, sua frustração (claro que herói anti-herói, ou anônimo anti-herói, são, fundamentalmente a mesma coisa; essas definições são a forma com que seus casos aparecem no contexto social, como uma resultante) – o seu exemplo, o seu sacrifício, tudo cai no esquecimento como um feto parido. Numa outra obra (Bólide-caixa nº21 – B44 – 1966/67), quis eu, através de imagens plásticas e verbais exprimir essa vivência da tragédia do anonimato, ou melhor da incomunicabilidade daquêle que, no fundo, quer comunicar-se (o caso que me levou à vivência foi o do marginal Alcir Figueira da Silva, que ao se sentir alcançado pela polícia depois de assaltar um banco, ao meio dia, jogou fora o roubo e suicidou-se). Por que o suicídio? Que diabólica neurose (aliás tão shakesperiana) o teria levado a preferir a morte à prisão? Uma esperança perdida, o desespero dessa perda, mas qual perda? Uma idéia, sei lá se certa ou não, me veio: seria isto a busca da felicidade (aqui entendida como segurança, afeto, tudo o que envolveria a falta que ocasionou essa neurose)??? Mas, deixemos êsse problema para o nosso querido Hélio Pellegrino.

O certo é que tanto o ídolo, inimigo público nº1, quanto o anônimo são a mesma coisa: a revolta visceral, auto destrutiva, suicida, contra o contexto social fixo (“status quo” social). Esta revolta assume, para nós, a qualidade de um exemplo – êste exemplo é o da adversidade em relação a um estado social: a denúncia de que há algo podre, não neles, pobres marginais, mas na sociedade em que vivemos. Aqui isto aparece no plano visceral e imediato. Num outro plano, mais geral e com outras conotações estariam as mais heróicas experiências: Lampião, Zumbi dos Palmares, mais adiante o exemplo mais vivo em nós, grandioso e heróico, que é o de Guevara. O problema do marginal seria o estágio mais constantemente encontrado e primário, o da denúncia pelo comportamento cotidiano, o exemplo de que é necessária uma reforma social completa, até que surja algo, o dia em que não precise essa sociedade sacrificar tão cruelmente um Mineirinho, um Micuçu, um Cara de Cavalo. Aí, então seremos homens e antes de mais nada gente.

Texto disponível em fac-símile no site da Biblioteca Virtual do Itaú Cultural

Publicado com autorização do Projeto HO

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Agência Transitiva

Agência Transitiva

 

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Batman, Amarildo, Claudia, Cineasta, Raposa, Estudantes, Classe sem educação, Gari, Sininho, Rafucko, P2, Black Bloc, Black Prof, Feminista, Bloco do Nhoque, Multidão …
*

Black blocs e professores, midialivristras e garis, ocupas e rolezinhos, além de outros encontros explosivos: passe livre, sem-tetos, movimentos autônomos, advogados militantes, militantes partidários em fuga, estudantes, anarquistas, camelôs e outros tantos desgarrados.

(excerto do texto de Tatiana Roque)
*

se vc for um pelego/trate logo correr/black profs são guerreirxs/elxs vão surpreender/ magistério é assim msm/bota o choque p correr…
Black Prof

*

♫ Acelera COMLURB que eu quero vê. 
Esse lixo vai fedeeeeê!
A prefeitura não deu aumento não.
Esse lixo vai ficar todo no chão! ♫

Garis

*

Qual a diferença entre o cabral e o eike, um acha que é rei, o outro acha que é sheik.

*
Diante das manifestações, adote seu filho antes que um professor de história ou filosofia o adote.

*
Mc Galo Galo
// por Adriana Facina

Intelectual militante? Da onde? Sindicato? Não, não acredito nessa forma de luta. Partido? Tampouco, não faço o jogo da política institucional. Movimentos sociais? Eh… não exatamente. Ah, entendi, desenvolve projetos de extensão universitária, ações voltadas pra democratização da universidade em que trabalha? Não tenho tempo pra isso. Bom, então, dado seu notório saber, deve prestar consultorias para apoiar demandas de indígenas, quilombolas, sem terra, favelados, lgbt ou qualquer outro grupo marginalizado? Todos esses são grupos sequestrados em suas subjetividades pela lógica estatal. Bom, então onde diabos você milita? Por aqui pelo face/twitter mesmo. Ah, tá bom. Então te dedico a música abaixo, direto da lavra do MC Galo Galo:

Se liga aí neguinho

Rapadura é doce mas não é mole

Se fui pobre não me lembro

Se fui rico me roubaram

Como dizia Bezerra da Silva

Malandro é malandro

E mané é mané

Eu perguntei geral responde

Tu é malandro da onde

Tu é malandro da onde

Eu perguntei geral responde

Tu é malandro da onde, neguin

Tu é malandro da onde

Decida com o pé no chão

Em cima do muro não pode ficar

Proibido não é o vacilo

Proibido é você vacilar

Água não se mistura com óleo

Óleo não se mistura com azeite

Já falei que malandro é malandro

E band-aid é band-aid

Eu perguntei geral responde

Tu é malandro da onde

Tu é malandro da onde

Eu perguntei geral responde

Tu é malandro da onde, neguin

Tu é malandro da onde

Tu é malandro da onde

Olha só

Nunca te vi na TV, seu maluco

Nunca te vi no jornal

Nunca te vi na revista

E mesmo assim se acha o tal

Você mente à vera

Se chamar pra batalha tá passando mal

Mas só com morador

Esse otário mandado perde a moral

Eu perguntei geral responde

Tu é malandro da onde

Tu é malandro da onde

Eu perguntei geral responde

Tu é malandro da onde, neguin

Tu é malandro da onde

Tu é malandro da onde

 vocabpol em 26122014 entradas

Bagunça (Performance)

// por Raphi Soifer

Matheus 4:19

(recordações de um bagulho-intervenção de Raphi Soifer e Romário Alves
Círio de Nazaré, Belém do Pará, 14 de outubro de 2012)

fui a belém pescar lixo no círio de nazaré. não sabia, quando eu parti, que ia dar nisso, mas a cidade, a procissão e a região amazônica em geral tendem a providenciar esses tipos de revelações espirituais repentinas.

 

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tipo romário:  todo mundo em belém é bicha, o que é ótimo, mas nem todo mundo é romário, o que é uma pena. romário alves, ou wellington romário
só podia ser de belém, sua criatividade é suarenta e constante, como se fosse provocada por uma umidade bajubá, ou algo assim. a gente se conheceu e logo resolveu sair no círio de anjos lixeiros.  não lembro exatamente como chegamos a essa decisão, mas sei que foi quase imediata.

fui a belém fazer bagunça, como sempre faço em qualquer lugar. eu trouxe uma performance comigo para apresentar na sede do gempac, grupo de mulheres prostitutas do estado do pará – área central. mas foi censurada quando os vizinhos começaram a reclamar que eu não estava usando roupas. uma das prostitutas explicou que a zona não era mais como antigamente.

estou demorando a aprender que bagunçar é o que eu mais tenho para  contribuir.  segundo os comerciais do omo, se sujar faz bem, e eu tendo a  concordar.  a vida é suja, e a memória é uma bagunça só, com cada vez mais cidades e imagens e pessoas e palavras jogadas uma sobre a outra no meio de uma poeira sentimental.

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e qualquer performance, no fundo, deve ser entendida como uma tentativa de tirar toda a roupa.  isso não implica que as performances bem-sucedidas necessariamente contariam com a nudez, mas o corpo trangressor guarda instintivamente a possibilidade de jogar fora tudo que tenta defini-lo).

fui a belém para brincar no lixo que o sagrado sempre produz, não apenas nos seus esforços de se distinguir do profano, mas em tudo o que é materialmente necessário para sua exaltação, mas que não merece veneração por si só. os copos descartáveis de que os milhões de peregrinos bebem ao longo do percurso do círio não contêm água benta, e viram um desperdício qualquer depois de jogados fora.

nosso recolhimento não era um serviço público, nem uma limpeza e muito menos uma revisão do que a cidade tinha acabado de jogar fora.  era uma comemoração do lixo, de como esse passado recém-descartado produz as condições para as nossas promessas se dizerem bem realizadas.  na nossa peneira (achada na rua alguns dias antes do círio) e na rede de pescar rasgada (doado por pescadores no mercado de açaí), juntamos copos de plástico, figuras de cera, tênis e chinelos abandonados, velas, restos de comida.

chegamos atrasados, por volta das 8 da manhã, mas acompanhamos o círio do primeiro quarteirão da avenida presidente vargas até a basílica da nossa senhora de nazaré, uns 2 quilômetros e tanto depois.  romário fumava cigarros durante todo o percurso, e eu usava um cordão de aço com uma pingente de metralhador.  algumas pessoas até me perguntaram sobre a mini-arma (é como um crucifixo moderno, eu explicava), mas ninguém parecia se incomodar tanto com os anjos descalços e barbudos, vinte e tantos anos mais velhos que os demais anjinhos do círio.  já disse que belém é uma cidade bem bicha, e isso implica saber lidar com a bagunça dos outros:  cada um que cumpra as suas promessas da maneira que bem entenda, desde que não atrapalhe as promessas dos outros.

(5 meses depois, no carnaval do rio, meu pingente foi roubado por um policial militar na rua frei caneca, que apontou seu revólver para mim enquanto tirou a corrente do meu pescoço e arrancou o metralhador. depois, devolveu a corrente vazia, e eu desejei a ele um feliz carnaval).

no final, romário e eu tiramos nossos figurinos de anjo e os deixamos, junto com a peneira, a rede e todo o lixo do nosso círio pessoal atrás da basílica, do outro lado da cerca de um gerador, para ser tanto uma oferenda quanto uma lembrancinha.

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 vocabpol em 24122014 entradas

Brasil | brasiu | Brazis

// por Cristina Ribas

Brasil | brasiu | Brazis

Um Brasil? Não, não tem um só. À distância também são muitos. Há camadas de intensidade e de profundidade. Cada um tem um Brasil projetado, cartografia projetiva, e um Brasil radicalizado, conhecido, pé na terra. Tem gente que tem um Brasil urbano, do asfalto do metro a metro. Outros têm um Brasil de interior, de procurar cachoeira, curva e plano inclinado. Tem gente que tem Brasil pra fora, que vive fora dele e que o alimenta como se alimenta passarinho na gaiola. Tem gente que vive fora dele, porém dele nunca saiu. Quem vem de fora e quer chegar no Brazil, esse encontra outro também. Quem escreve Brazil, já diz a que vem. brasiu menor tem também.

Brazil | brasiu | Brasis. Significações em disputa. Um sonho moderno não consumado. Por ninguém. Como querer consumar um projeto moderno, quando na verdade não há consumação que chegue? Quando a consumação é equação, valendo mais como instrumento de mais valia, de incitar a máquina produtivista, de fazê-la espremer a estômagos vazios algo que se toma por Crescimento? … Consumação de algo, que não se consuma, e Poder. Há um cansaço da repetição dessa diretiva. Há uma reclamação pela proliferação de sentidos desse Brasil. Não faz muito que novamente fomos tomados por uns afetos grandiosos e impossíveis de conter: palavra Crescimento. O crescimento do Brasil seria imagem mais poética se não fosse dolorosa.

Quem opera, incólume, os bits das máquinas desenvolvimentistas? E quantos bits. Quantas estatísticas por encima daqueles que recebem seja na perfuração do corpo a bala seja na destruição de seus modos de vida, camadas de concreto armado sobre suas terras? Afetos duros esses de fazer crescer e exportar a torto e a direito mais valia de nós: “Engenheiros, mais engenheiros!”, disse Dilma.

Protesto Indígena em Brasília. Foto:  Mídia Ninja

Protesto Indígena em Brasília. Foto: Mídia Ninja

Todo mundo que menciona – Brasil – , agencia, todo mundo que habita, mais também. Aqueles que o fazem, desde dentro, do brasiu pequeno, desses jeitos de fazer dessa terra, tem segredos. Porque é assim que se faz Brasil | brasiu | Brazis. De maneiras diferentes. O brasiu pequeno escapa pelos discursos ostentatórios e promissores, como se não ouvisse, pela sua preguiça mixta de resistência, o que dizem essas vozes robustas, que anunciam desmedidos roubos, que arrasam desmedida gente.  brasiu no toque das coisas daqui na palma da mão, e entre mãos e batatas de pernas e escápulas, suor e sono sonâmbulos no transporte público, e frita quente o pastel e queima e refresca pela concessão diária dos pequenos prazeres e das pequenas curas. brasiu mamão formosa cresce no fundo do quintal de quem tem casa ou cresce na rachadura do concreto daquela pirambeira no Alemão. brasiu código pequeno de sabor gigantesco, bula de sobrevivência essa sua toda medicina. Camarão seco cruza o país, chega aqui perto, cozido bem cozido entrou no estômago com cheiro de jambu e tudo mais da alquimia do que eu não sabia. cheguei. brasiu inteiro. interno. como acordar as 5 da manhã.

Quando eu era criança cruzamos o país em um ônibus. Foram três ou quatro dias. Minha mãe nos levou para o Maranhão. Rio Grande do Sul—Maranhão. Vixe Maria. Mudança da paisagem, claro, nem posso relatar tudo. Buriticupu. Imperatriz. São Luis do Maranhão. Conheci Maria-do-socorro, a tia avó dos meus primos. Eu olhava pra ela, que era dona de farmácia, ou enfermeira, não sei, e pensava “que nome! Que nome!” Que apropriado era, ainda mais pra mim na minha cabeça de criança. Ela tinha todos os jeitos do cuidar. (infraestrutura) Maria-do-socorro me faz pensar hoje no brasiu das pequenas medicinas, das pequenas curas, dos sabores… num brasiu pequeno e íntimo, que vem pelo gesto de se aproximar, de saber e pela intimidade. Um brasiu hoje confrontado… Um brasiu com menos espaço pra ser antropofágico, e que vem sendo apressado…

Na escala nacional, qual seria nossa Maria-do-socorro? Como será que esse país-cuida-de-si? Parece que nas transições Brazil | brasiu | Brasis se precisa de várias Marias-do-socorro… a todo o tempo. Este vocábulo não é, contudo, mister nem em remédios, nem em análise política. É uma maneira de relatar uma percepção. Na memória do recente, no plano da política do estado, parece ser impossível não refletir o que se tem agora com o que se tinha antes, quando antes o plano do governo sustentava diferencialmente os fluxos do desejo dos movimentos e das singularidades. Na memória afetiva, é como se houvesse um rompimendo do humanismo escala um-pra-um no Lula dos seus começos (dos seus pequenos remédios!), que desapareceu sob as estatísticas Dílmicas grandiloquentes, visto que meio que de repente nos interpela com sua violência feminina de presidenta, não que não soubéssemos de sua inclinação, traindo em parte, para muitos de nós, sua própria história militante…

No governo anterior a esse que já se despede (provável…) muitos se ocuparam temporariamente em sustentar uma tradução de projeto e de escala, com capacidade, com manobra política. Quanto esforço, quanta inviabilidade. Parecia que havia uma certa pedagogia, ou o experimento de potencialidades que dependiam evidentemente de uma contaminação mais fresca entre práticas dos movimentos sociais, seus representantes e os conselhos criados na busca de aplicar metodologias territoriais, porventura radicais, sobre os mecanismos cansados da máquina estatal. O que poderia ser renovado nas linhas da produção, reprodução e mobilização social num projeto talvez inaugural de abertura democrática? Mas algo disso se perdeu, aos poucos, e bastante, e quase tudo.

Ouvi de Célio Turino uma vez que o estado que ele pensava e praticava era um “estado educador”, quando ele ainda estava no Cultura Viva. (E hoje ele faz crowdfunding para publicar seu livro sobre Pontos de Cultura?) O estado educador foi portanto sendo enxugado e desmelhorando numa versão mais efetivista, retirando gente mais do que incluindo nos programas de fomento à cultura pela remodelação ou orientação à economia criativa. Nos últimos anos vivemos, portanto, uma disputa mais dura de usos e significações da terra Brasil-Brazis, colocado entre o superavit da economia (mais precisamente das empresas privadas), e a criação de programas de distribuição de renda, ou o aumento de serviços e assistência por parte do governo federal que são determinantes no crescimento do país a partir da mobilização da economia de bens de consumo, do aumento do poder de compra, do Bolsa família, de dignidade, de casa própria, de acesso a estudo, bolsas de estudo, etc. “Estatisticamente, isso se traduziu na mobilidade ascendente dos níveis de rendimento de mais de 50 milhões de brasileiros e pela entrada de novas gerações nas escolas técnicas e universidades.” (Cocco, 2013) A disputa entre dimensões de tamanha distância não é só por valores, mas é por posses, pela manutenção das classes sociais estratificadas por parte daqueles abastados, ou pela subida ou atravessamento delas, como têm desejado alguns fluxos do governo… Por tudo isso somos BRICs lá fora, de forma glamurosa mas, e aqui dentro? Ao passo que há uma inclusão na economia (a retirada da extrema pobreza) há ao mesmo tempo um crescer em bloco, ou seja, aquele abastado também está crescendo numa equação que afeta por demais o brasiu menor. É perceptível então que afeto/efeito desenvolvimentista se mantém por meio de um tônus que faz adoecer gente e mais gente de afetos moles, afetos frágeis. Pobres da periferia, corpos índios em suas casas, camponeses nas suas nesgas(*), modos de vida, nas suas matas. Nessa cena confusa entre a floresta e a barragem, o grande verde-amarelo que é vendido é um Brazil colonizado por si mesmo, pequeno império regional.

Agricultura familiar e de pequenos produtores corresponde à cerca de 70% da produção de alimentos no Brasil. (dados do Ipea)

Brazis. Tanta gente, tanta gente. Se mistura e se multiplica com capacidade de proliferação incontrolável. A escrita antropofágica de Giuseppe Cocco em “Mundobraz: o devir Brasil do mundo e o devir mundo do Brasil” (2009) marca uma nova maneira de pensar o Brasil. Brasil arrebatante, intensivo, recuperado nas suas forças antropológicas e, claro, antropofágicas. É a partir de uma ética da potência dos pobres, de linhagem negro-negriana (de Antonio Negri) que ele vai traçar a análise desses Brasis que sacodem a relação significação/valoração no modo produtivo do capitalismo contemporâneo e colocam a criação como valor. A proliferação de modos de vida nesses Brasis seria não um arquipélago de multiculturalismos como se pensa nos discursos da globalização, mas uma hibridação, miscigenações, ou seja, mundialismos. Capacidade de criação do mundo, seguindo o pensamento de Jean Luc Nancy. Na perspectiva do trabalho, isso significa uma capacidade inventiva das formas de trabalhar, nas variações da cooperação social e da produção de renda. O Brasil é para Cocco um híbrido complexo. E na luta política a radicalização da democracia é o grande desafio donde surge uma construção imanente, a sociedade como constituinte, como processo. Um nervosssssso*

O Brazil desenvolvimentista por sua vez, na minha parca percepção, convoca a entrar numa linha de produção que é mais ainda da ordem de uma auto-exploração (assim como do território), que cobra uma espécie de fidelidade, o comprometimento com aquele Crescimento. O que não parece estar em discussão, contudo é o modelo de desenvolvimento, um modelo que nos leva para a mesma falência ambiental e social que já vimos em tantos outros países desenvolvidos. O Brasil é formado, evidentemente,  por todas as variações possíveis de forma de produtividade e lucro, o que lhe dá essa característica plural e complexa. E a precariedade que marca o trabalho na contemporaneidade não é uma característica apenas do Brasil ou dos países menos desenvolvidos. O ideal do emprego não seria, portanto, salvaguardar de um perigo, visto que a precarização se acentua mais ainda com o novo modelo de acumulação. O novo modelo, o capitalismo financeiro (ou financeirista), desloca o lucro da produtividade de bens propriamente ditos e acontece por meio do aumento da circulação, seja de informação, seja de saberes, de funções. Ou seja, há mais lucro quanto mais há de circulação da informação, e do valor que um produto agencia, por exemplo – imagem da publicidade ela mesma no mundo digital. Jean Baudrillard chama isso de “fim da referencialidade”. Franco (Bifo) Berardi fala em uma “autonomização do dinheiro”, que passa a circular por si, separado também da força-trabalho do trabalhador. O fim da referencialidade é também a des-papelização do dinheiro, que se soma à essa des-fisicalização do dinheiro relacionado tanto à força-trabalho como ao produto ele mesmo. Encurtando uma boa parte da história, o “crescimento econômico” hoje em dia é baseado também em estatísticas de aumento de poder de compra, ou capacidade de aquisição de crédito (dinheiro des-papelizado), e portanto, de endividamento. Não é à toa que para Maurizio Lazzarato na atualidade o homem e a mulher se tornam sujeitos “endividados”, ou seja, por mais que o lucro na dimensão mais abstrata do capital esteja desrefencializado, a dívida sempre será paga na medida do trabalho do corpo.

A chamada que faz o Estado para uma pactuação com o aumento da auto-exploração de cada um de nós sem uma radicalização da democracia, desenha um mapa total do território que passa por cima das diferenças que são constitutivas dos povos brasileiros. O enunciado do Crescimento pelo Poder do Estado tenta convocar uma simbiose, e de alguma maneira induzir à força, pela força da repressão. E não só aqui, o território Brasil-Brazil, na promessa do Crescimento que pode levar junto de si outros países latinos ou países do Sul mundial, se estende para Bolívia, Venezuela, Cuba, Argentina. Engole a África, velha mãe, e lhe provê recursos, tecnologia, mão de obra – caminhos de mão dupla da criação e da inclusão em uma economia.

Esse Brazil que reproduz dentro de suas tramas colonialismos cujas linhas de poder nunca sumiram, que os convoca desde a esquerda como a direita, de repente recebe um levante. (manifestações) Susto nos discursos do poder, susto nos discursos arraigados de que há um povo pacífico, que tudo assimila e que a tudo se adapta, que tudo digere – e até mesmo seus 5,2 litros individuais de agrotóxico por ano. 2013 um ano que marca um rompimento. O rompimento que diz um basta, que escancara a rebelião da periferia e que reclama no asfalto seus corpos sumidos na favela. Cadê o Amarildo?  ((Anti herói anônimo)) Enquanto insurge um poder de ruas e de redes, os colonialismos, variando-se e confundindo-se em fascismos, militarismos e diabo a quatro se afirmam com mais força, instituindo um momento em que a violência passa a escancarar que esse é o último recurso do Poder. Repressão. Brasis em conflito, não um Brasil homogêneo, ele mesmo contra o Estado. Mas uma multiplicação, uma multifacetação da potência-criação-vida (potência concisa da vida cotidiana, assim pode ser tomada, como na palavra biopolítica), insurgindo e diferindo, debatendo suas significações, enfrentando de frente e de baixo as linhas visíveis e invisíveis de Crescimento, Poder e Repressão.

Pinheirinho, ninguém nunca viu. Saíram de foices, facões, capacetes, e barricada inventada, galão de óleo. Fogo. Potência rizomática pura, transversal, integração doutra ordem.

Rafael Braga Vieira condenado a 4 anos e 8 meses de prisão, sem crime qualquer, derivava pela rua, passou pela manifestação de 20 de Junho de 2013, ‘portava’ uma garrafa de pinho-sol, trabalhava com limpeza, quando foi preso.

Nos últimos anos o Brasil se transforma paulatinamente em um grande balcão de negócios, tornando-se uma espécie de teatro mambembe de mega eventos, Copa do Mundo, Olimpíadas e grandes outras vendas e espetáculos que deixam mais explícita a incongruência social da diretiva economicista. Brazil. Negócios de brasileiros com brazileiros, negócios de brasileiros com estrangeiros, negócios de extrangeiros com estrangeiros. O que sigifica então ser brasileiro por direito diante de uma semiotização máxima como tal, diante de um tipo de engajamento generalizante, macropolítico do tipo que o Crescimento e os megaeventos formalizam? Sendo o Brasil ele mesmo uma coisa trans, #só tem bicha nessa cidade!, transnational, e não dizente apenas dos processos internos do Brasil-no-meu-quintal, a que servem os discursos de Brasil? De uma Brasilianização? De brazilianismos? De a certain braziliannnessss? De Brasis? Esse é um tema que Cocco trata com profundidade em parte de Mundobraz, livro cuja extensão e complexidade trago apenas drops. Cocco recorta esse trecho de Paulo Arantes em “A fratura brasileira do mundo. Visões do laboratório brasileiro  de mundialização” (2001):

“Ocorre que a tal ‘brasilianização’ do mundo (…) indica justamente a contaminação da polarização civilizada em andamento do núcleo orgânico do sistema pelo comportamento selvagem dos novos bárbaros das suas periferias internas, que se alastram propagando a incivilidade dos subdesenvolvidos, de sorte que a grande fratura passa a ser vista também como a que separa os que são capazes e os que não são capazes de policiar suas próprias pulsões. (…)”

O Brazil portanto não é só aqui, expresso no território geográfico mensurável. O Brazil se faz lá fora, também nos foras desse território. Desejo olhar, contudo, mais para esse brasiu menor, insurgente, esse da ordem dos bandos e dos bárbaros, que encanta pela capacidade de quebrar as representações totalizantes de um Brasil-estado, de sucumbir àquela semiotização máxima – Brazil=potência. São partes dele que se movem e desafiam as determinações da polarização, e bem por isso não é à toa que o que caracteriza essa brasilianização é a proliferação de modos produtivos, embrenhados de invenção, jeitinho, gambiarrice… sobrevivência. (hidrosolidariedade + etnoempoderamento)

O Brasil-Brazil como coisa vendável é uma malha flexível, serve a tantos usos quantos modos de vida habitam esse território. Por isso o Brasil nas suas variações enfrenta um conflito de representações, visto que aquilo que define esse território são os modos de vida e seus movimentos desgarrados, suas insurgências contra o poder repressivo, inflexões Brazis-brasiu. O brasiu de corpos vem sendo maltratado nas segregações do poder, julgado e excluído da sociedade de direitos, criminalizado tanto pela esquerda no poder e como pela direita no poder,  pela criação de proibições, pelo achatamento da potência criativa que insurge nos protestos. O brasiu cabe dentro do Brazil (**), mas esse maior não cabe dentro do menor. Nos códigos de desenvolvimento financeirista, naquilo que tem direcionado a economia, se desvela que as linhas de sub // desenvolvimento não é que sejam incapazes de serem semiotizadas no progresso, no crescimento, na competitividade, … o Brazil mesmo é que não quer aceitar tanta diferença e portanto opera expulsando a rodo gente de centros urbanos, por exemplo, enquanto que políticas urbanas de planejamento mais cuidadosas poderiam ser implementadas; e o que falar da dizimação de muitos e muitos grupos de índios, expulsos de suas terras, … Sobra um brasiu menor onde só há resistência, um brasiu de pobrezas que são o oposto daquela pobreza descrita logo nacional: “País rico é um pais sem pobreza”.

O brasiu das diferenças, das aldeias de índios urbanos que segundo alguns não parecem índios, ou que se tornaram índios, ou de rolezinhos de jovens negros de periferia nos shopping centers só acirra mais a crise da representação do Brasil, que é também a crise da representação da política, dos modelos da política. Na entrevista “Mobilização reflete nova composição técnica do trabalho imaterial nas metrópoles”, Giuseppe Cocco analisa o ciclo de manifestações no Brasil a partir de junho de 2013 como sendo em parte uma consequência positiva dos 10 anos de governo do Partido dos Trabalhadores. Segundo ele, isso não aconteceu porque o governo tenha sido de “esquerda” ou socialista, mas porque “tenha se deixado atravessar – sem querer – por ume série de linhas de mudança: políticas de acesso, cotas de cor, políticas sociais, criação de empregos, valorização do salário mínimo, expansão do crédito.” Na (( conspiração )) de que algo pudesse estar sendo implementado pelo privilégio de estar no poder (o socialismo?), Cocco avalia que o que o poder pode fazer, contudo é “apenas ter a sensibilidade de apreender as dinâmicas reais que, na sociedade, poderão amplificar-se e produzir algo novo.” Contudo essa não parece ter sido a sensibilidade expressa pelo governo Dilma nos últimos meses, visto que, por exemplo, o modelo repressor das manifestações públicas primeiramente adotado para a Copa das Confederações em 2013 se extendeu não apenas evidentemente para o megaevento Copa do Mundo (sendo parte dela a Lei Geral da Copa) mas também para as favelas elas mesmas, como no caso da Maré, no Rio de Janeiro, onde se acopla com o curso de ‘pacificações’ ordenado pelo Governo do Estado. Ou seja, o megaevento é igualmente um aparelhamento militar do país, ele sela a compra e a implementação de políticas de ‘segurança pública’ que atuam, ao contrário, na repressão das periferias.

O posicionamento do governo diante das manifestações, a criminalização dos movimentos organizados, a prisão preventiva por “crimes que poderiam ser cometidos”, o julgamento de inocentes que portavam ‘artefatos’, assim como o extermínio incessante de jovens negros de periferia, crianças e velhos, reforça uma política de controle social que vem instaurando sensações e dúvidas sobre que tipo de poder, na verdade, ocupa o Planalto Central. As conspirações de que estamos ou continuamos em um regime de ditadura foi uma constante na passagem 2013-2014, ao passo que muitos movimentos de favela e contra o extermínio de jovens negros nunca deixou de assinalar “a ditadura (na favela) nunca acabou.” Essa espécie de zum zum zum e medo fez proliferar uma série de textos, dentre eles o que destaco de Bruno Cava, “A ditadura perdeu pero no mucho”, em que ele analisa como a ditadura na atualidade está constrangida, acuada, pela mobilização social.

“Não é que, com a redemocratização pós-1985, vivamos uma aparência de democracia encobrindo a perseverança da ditadura. Mas, sim, que continuamos a viver a própria ditadura, agora entranhada na democracia representativa, uma ditadura molecularizada, convertida em princípio interno de reprodução das relações sociais desiguais, nos mais diferentes níveis (renda, origem, racial, gênero, sexualidade), por dentro da democracia representativa.”

Cava afirma – junto com os movimentos – que “é preciso derrotar a ditadura sempre.” Mas esse derrotar a ditadura dos movimentos não é a mesma perpetração da “paz” da maneira como ela tem sido impressa pelo estado, no Rio de Janeiro no caso das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), chamada pelos movimentos de Unidade de Porrada em Pobre. Dilma convidou os presentes em um discurso no começo de 2014 no Fórum de Davos na Suíça para a “Copa das Copas”, que seria para ela um momento de afirmar a paz, o papel principal do futebol… Mas bem, se a paz era o que se via dentro dos estádios – frequentado por uma maioria branca e abastada -, não era o que se via fora deles…

Há quem diga agora que a Copa de fato não aconteceu –  ainda mais pela literal derrota da seleção do Brasil 0 x 7 Alemanha. Já gritavam os movimentos antes dela #Nãovaitercopa!  Seria essa derrota um feito de (( conspiração )) ? Ou de corrupção? Ou uma grande mandinga dos movimentos sociais para quebrar o encanto de uma simbiose Estado desenvolvimentista=seleção, marcando uma perda histórica que destitui a força do Brasil-Brazis, e nos devolve os cuidados do brasiu menor?

Verdade é que sabemos bem quando as ruas reiventam gritos que estão exaltando mais e mais as linhas ativas dos estados vitais, das transformações sensíveis e da política como criação ela mesma. Nas passagens Brazil | brasiu | Brasis abrimos nossos mapas de análise de relações de força e de poder, tornando-nos mais atentos aos cheiros das ervas e das ervas daninhas.

No brasiu menor acho que somos todos Marias-do-socorro.

 

 

(*) Nervossssso, um tipo de nervoso que bate no osso, coisa constitutiva… definido por mim segundo expressão de Margit Leisner nos encontros do Vocabulário Político no Rio

(**) Querelas do Brasil, Maurício Tapajós e Aldir Blanc

Referências

Berardi, Franco (Bifo) (2012). The Uprising: On Poetry and Finance

Bruno Cava. “A ditadura perdeu pero no mucho”, 08/04/2014

Giuseppe Cocco (2009) MundoBraz: o devir Brasil do mundo e o devir mundo do Brasil. Rio de Janeiro: Record

Entrevista Giuseppe Cocco “Mobilização reflete nova composição técnica do trabalho imaterial das metrópoles”, 25/06/2013

 

 

Querelas do Brasil

// por Aldir Blanc e Maurício Tapajós

 

(1978)

 

O Brazil não conhece o Brasil

O Brazil nunca foi ao Brasil

Tapir, jabuti, liana, alamandra, alialaúde

Piau, ururau, aqui, ataúde

Piá, carioca, porecramecrã

Jobim akarore

Jobim-açu

Oh, oh, oh
Pererê, câmara, tororó, olererê

Piriri, ratatá, karatê, olará
O Brazil não merece o Brasil

O Brazil ta matando o Brasil

Jereba, saci, caandrades

Cunhãs, ariranha, aranha

Sertões, Guimarães, bachianas, águas

E Marionaíma, ariraribóia,

Na aura das mãos do Jobim-açu

Oh, oh, oh
Jererê, sarará, cururu, olerê

Blablablá, bafafá, sururu, olará
Do Brasil, SoS ao Brasil

Do Brasil, SoS ao Brasil

Do Brasil, SoS ao Brasil
Tinhorão, urutu, sucuri

O Jobim, sabiá, bem-te-vi

Cabuçu, Cordovil, Cachambi, olerê

Madureira, Olaria e Bangu, Olará

Cascadura, Água Santa, Acari, Olerê

Ipanema e Nova Iguaçu, Olará

Do Brasil, SoS ao Brasil

Do Brasil, SoS ao Brasil

 vocabpol em 23122014 entradas, índice, manifestações, narrativa

Carta de não participação imersiva aqui por uma tentativa de preferir não lá

// por Beatriz Lemos

Na semana de encontro do projeto Vocabulário Político para Processos Estéticos fui convidada para realizar uma fala na Casa Daros. A Casa Daros é uma instituição sediada no Rio de Janeiro desde 2007, pertencente à Coleção Daros Latinamerica, com sede na Suíça, que por sua vez pertence à Fundação Daros. (1) A Coleção da Fundação Daros é uma coleção voltada para arte contemporânea na América Latina e que no Rio vem atuando com o foco em programas de arte e educação, seminários e exposições a partir da própria coleção. Apesar do vínculo genealógico da Casa com sua Fundação mãe, parece querer-se omitir este dado, sendo a instituição sediada no Brasil, sempre correspondida apenas à Coleção Daros Latinamerica.

O convite feito pela Casa Daros para que eu participasse de uma conversa tratava-se de uma apresentação sobre a revista Elástica, publicação que edito ao lado dos artistas Thais Medeiros e Rafael Adorján, na ocasião do Seminário Publicações de Arte no Brasil, coordenado pela artista e teórica Katia Maciel. Elástica surgiu em 2010 e se encontra na terceira edição. Sua linha editorial busca o alargamento – elasticidade – dos interesses do meio de artes visuais e propõe diálogos entre diversas áreas a partir de colaborações de artistas e teóricos. É publicada pela editora Multifoco, porém a parceria se restringe a acordo apenas na impressão, sendo a editoração, projeto gráfico e produção por vias independentes e não remuneradas.

O encontro foi inédito no Brasil até então, logrando o atravessamento de iniciativas editoriais independentes, institucionais, comerciais e de artistas, contemplando um panorama nacional histórico e atual. A convergência de datas entre essa fala e o projeto do Vocabulário (acontecendo naquela semana no Capacete) que inicialmente não se apresentava como dificuldade dado à flexibilidade presencial que tais compromissos exigiam, foi crucial para o aprofundamento de questões que vinham me atravessando, mas subtraiu meu foco e presença do processo imersivo pedido pelo Vocabulário.

Isto porque até aquele momento, véspera de minha fala na Casa Daros, eu nada sabia (assim como, acredito que muitos latino-americanos não tenham conhecimento) do envolvimento da Fundação Daros – mais precisamente de seu presidente, o magnata suíço Stephan Schmidheiny -, em grandes desastres ambientais pelo mundo e da origem de sua fortuna familiar fundada em anos de extração e produção de amianto em cerca de 40 países em 4 continentes. Não somente desastres ambientais, como mortes e danos irreversíveis à saúde de milhares de pessoas, desencadearam processos em instâncias internacionais, como o “Juicio de Turin”, mas que devido a lógica financeira de mundo (que privilegia o lucro e não o respeito à vida), são silenciados ou abafados pela grande mídia, principalmente em contextos latino-americanos, onde, não por acaso, a Fundação Daros dedica sua pesquisa educacional. Para completar a rede sistêmica de sarcasmos do capital a mesma família ergue em 1994 a Avina, conhecida fundação de fomento às iniciativas para o meio ambiente, cujo principal objetivo é contribuir para promoção do desenvolvimento sustentável na América Latina. (2)

O seminário de publicações não pretendia nem endereçava trabalhar esta trama do império do amianto diretamente porém, não pude deixar de atentar para os limítrofes pessoais em nossa atuação – seja artista ou curador – e as ligações relacionais que estabelecemos a cada trabalho. O que é inegociável para você? O amianto foi um mineral condenado por seu grau de periculosidade já no final do século 19, sendo esse dado omitido por quase todo século posterior. Segundo pesquisas econômicas é visto como símbolo da modernidade industrial, pois projetou a atual divisão global do trabalho, se tornando um precursor do capitalismo sem fronteiras (ver texto de Guillermo Villamizar: Daros Latinoamericana: memorias de un legado peligroso). (3) Vínculos econômicos questionáveis parecem ser o ponto frágil de muitas instituições de arte e cultura em todo mundo. No Brasil grandes instituições como Inhotim, Itaú Cultural, Museu da Vale e MAR – Museu de Arte do Rio, para citar como exemplos de repercussão, são alvos de críticas e, em alguns casos, de ações ativistas de boicote ou denúncia.

Quando Bartleby, o personagem escrivão do conto do escritor Herman Melville, apenas “prefere não” (dando indício ao fazer determinada função), em 1853, acredito que sintetiza muito do que consiste a dinâmica de trabalho e relações com que lidamos hoje na arte. (4) O “preferiria não” como resposta às encruzilhadas políticas propostas corriqueiramente por nosso meio profissional me veio, não por acaso, através de interlocuções com colegas como Pedro França, Graziela Kunsch e Kamilla Nunes, sincronamente, semanas antes do episódio em relato, e com Yuri firmeza, no momento de escrita desta carta. Em seu texto original, Bartleby não menciona o verbo, o que indetermina o que ele rechaça. A potência de sua sentença enquanto função-limite se dá, de acordo com Deleuze, no aniquilamento do referencial na linguagem – com o outro, com algo -, desestabilizando, assim, os parâmetros do interlocutor. Ou seja, a força do personagem, é a força da atitude do tolo, que quebra códigos de padrão, mas sem quaisquer esclarecimentos, apenas tem a decisão de não participar de negociações dessa natureza.

Contudo, tal posicionamento de ausência se difere de uma negativa-afirmativa como por exemplo, no trabalho de Graziela Kunsch “Sem título (prefiro não fazer)”, em ocasião da exposição Caos e Efeito, no Itaú Cultural, São Paulo, com curadoria de Fernando Cocchiarale e Pedro França (2011). A artista recorre à sentença de Melville, expondo-a como sua obra, em um nítido movimento que indica sua insatisfação de estar presente. Neste caso, o “preferiria não”, encontra sua reportação de ação (o fazer e, neste caso, o estar presente), facilitando ao público identificar o endereçamento da crítica sem precisar ter conhecimento do histórico do trabalho. Assim, mesmo tendo a ação sido suscitada pelo não pagamento dos artistas participantes, sendo a exposição a pretensão de uma vasta “catalogação” da jovem produção contemporânea nacional, o sutil gesto de Kunsch se alarga e faz incidir sua crítica seja à instituição, à curadoria, ou às estruturas de poder, legitimação e remuneração empregadas na arte.

Em tempos onde a radicalidade pode cair em contradição, pois o sistema do capital se retroalimenta de todas as instâncias da vida (os modos de ser, as escolhas profissionais, a alimentação, o vestuário, a moradia, os meios de transportes, a educação, a saúde a política, etc), o NÃO e o SIM trocam de lado a cada novo trabalho/convite e (parece que) tudo pode ser relativizado, já que a verdade está mais no olhar do que naquilo que é olhado, preferir é escolher, mas não estamos acostumados a fazer passar a escolha necessariamente por negação. Entender que os vínculos do dinheiro que financia a arte em todo mundo são comprometidos diretamente com a perpetuação das desigualdades sociais faz de questionamentos sobre limites individuais e coletivos mantras de sobrevivência para os que ainda se incomodam. Ou seja, o SIM nunca deve ser absoluto e o NÃO sempre atento à coerência.

Em convergência, eu já vinha refletindo sobre meu real desejo de um modelo de revista, o qual não se aproxima da ideia linear de periódico de arte que dê conta das ansiedades do meio, tanto de conteúdo quanto de permanência. Ou seja, a Elástica participar em um “evento institucional de arte” não me parecia algo congruente. Afinal, para que mais uma revista de arte? (Essa fora a pergunta de nossa primeira edição.)

Deste modo, tendo como contexto e argumento os três temas levantados pela revista ao longo de história de suas edições (1. Pra que mais uma revista de arte?, 2. Sustentabilidade, 3. Invisível) propus para o corpo editorial da Elástica uma ação de “invisibilidade” através da leitura de uma carta que entrelaçava a indagação de porque existir enquanto revista, as escolhas de mundo que se pode fazer e o invisível como a decisão de não estar presente. Essa opção se daria eticamente, óbvio, por divergências políticas que ultrapassavam o fato do seminário.

Este encadeamento de fatos se deu em menos de dois dias antes da fala na Daros e durante os primeiros dias do Vocabulário. Para mim, tempo suficiente para tomada de posicionamento e decisão de invisibilidade. Para meus companheiros de revista, era um tempo curto para amadurecimento de ideias. Ou seja, a “ausência” como ação não aconteceu devido à incompatibilidade de opinião entre os editores.

Reproduzido aqui trechos da carta-invisível que não se fez visível:

A pergunta lançada na primeira edição retorna gerando outras dúvidas de posicionamento: Como não ter uma visibilidade óbvia (ou regular) no meio? Como tornar visível, para além da presença da revista, questões discutidas através dela? O quanto de elasticidade pode haver na ideia de revista? E por fim, como tornar o invisível a presença de uma questão?

Ser uma revista independente nos dá total liberdade de uma constante auto avaliação e reformulação de projeto, o que está intrinsecamente envolvido com nossos princípios e limites. Neste momento, estar com vocês desta forma, compreende o desejo de uma revista como algo que reverbere para além do formato publicação, que atravesse o pensamento em arte, tendo responsabilidade nas escolhas. E assim, acreditamos estar de total acordo com o que projetamos como conceito propulsor para Elástica.

O devir invisível não significa não existência ou a deficiência de visão. Seu prefixo IN já indica a existência de uma visão de dentro. Ou seja, ao deparar-se com as invisibilidades o meio é modificado – ou no mínimo friccionado.

A visibilidade das coisas nos dá o parâmetro do que é real ou não. Contudo, se propomos a invisibilidade presencial como resposta ao convite para este seminário é porque acreditamos que o invisível se torna visível quando é nominado.”

Assim, estive presente en persona, preferindo antes não, mas ciente que a autonomia do coletivo não é individualizada. A carta foi lida e contextualizada tendo como apoio os meus interesses na edição de uma revista de arte:

Esta carta foi escrita pensando na possibilidade de não estar presente fisicamente em um contexto como este, institucional, privado, legitimador, pois nossa maior premissa é como elevar ao máximo a ideia de elástico, pensar em proposições enquanto revista não sendo o que se entende a priori como revista. Este lugar estranho é onde almejamos chegar. Contudo, nos damos conta, todo momento, que trilhar um caminho não usual nem sempre é fácil, prático ou rápido. Pensamos sim em realizar uma ação de invisibilidade que suscitasse questionamento para o que está visível, retornando a pergunta: para que mais uma revista de arte? Esta não era somente uma pergunta existencial. Queríamos com ela repensar nossas próprias necessidades, enquanto editores, de atravessamentos e discurso no campo da arte.

O que é descrito aqui vem de encontro onde gostaríamos de chegar, quase como uma utopia editorial de extrapolar a própria ideia de independência como revista. Sabemos o que queremos como proposta, porém reconhecemos a dificuldade de alinhar desejo e prática, por uma série de negociações, imprevistos ou impedimentos internos ou externos.

Como o próprio o nome diz – Elástica – surgiu da vontade de elasticidade do termo arte. Queríamos um lugar onde pudéssemos reunir além da crítica, textos mais livres, também informativos, resenhas, poemas, pensamentos soltos ao lado de trabalhos de artistas, proposições, roteiros ou receitas. Que reunisse a instituição, a galeria, a academia, a rua e a fazenda. Enfim, uma curadoria, em seu sentido de rede de associações, como publicação (…)

Esta carta tenta reunir dois assuntos:
1. Prefiro não fazer
2. Por que editar uma revista de arte?

Assim, me pareceu coerente que pudéssemos “esticar” a Elástica para estar aqui (Vocabulário) / lá (Casa Daros) invisíveis, estar num devir além-do-não de Bartleby, que não somente sinaliza, mas se responsabiliza por um desacordo com o modo de funcionamento econômico da Fundação Daros, considerando seu envolvimento com a produção de amianto que, reconhecemos como anti-ética. Pela série de compromissos que eu já cumpriria naquela semana, pela realização/participação no seminário na Casa Daros e pela semana de imersão do Vocabulário percebo que fiquei um tanto “entre os espaços”, o que não necessariamente configurou uma ausência no Vocabulário, contudo me trouxeram uma sensação de “não imersão”. Foram essas as relações e confrontações que configuraram minha semana durante aquele período de oficina interna proposta pelo Vocabulário, me parecendo pertinente trazê-las para o Vocabulinário.

 

Notas

(1) http://www.casadaros.net

(2) Algumas referências em periódicos virtuais: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/tribunal-de-turim-condena-barao-do-amianto-a-18-anos-de-prisao-um-hino-a-vida.html, bit.ly/1pCRKUp e http://www.revistaelobservador.com/opinion/29-lecturas-impertinentes/5203-el-juicio-de-turin-contra-los-magnates-del-asbesto

(3) Villamizar, Guillermo. Daros Latinoamericana: memorias de un legado peligroso. Internet: Esferapublica.org. Publicado em 3/12/2012. http://esferapublica.org/nfblog/?p=53384

(4) Melville, Herman. Bartleby, o Escrivão. Novela do escritor norte-americano Melville (1819-1891). A história apareceu pela primeira vez, anonimamente, na revista americana Putnam’s Magazine, divida em duas partes. A primeira parte foi publicada em Novembro de 1853, e concluída na publicação em Dezembro do mesmo ano. A novela foi relançada no livro The Piazza Tales em 1856 com pequenas alterações. (Wikipedia)

 

 

// Tem artista na Maré?*

 

(V1)
Na Maré acaba que depois de um certo tempo, você mesmo não morando na Maré acaba sendo da Maré. A Maré depois que você começa acessar umas coisas parece que ela te toma, né!?

Tem uma situação interessante , vou citar uma coisa que acho que tem a ver. Foi criado um projeto na Maré tem essa ideia de criar trânsito, criar troca, aprendizagem…

Chegaram os curadores do projeto e apresentaram o projeto da exposição: todos os artistas já estão aqui, os nomes e tal. Então perguntei: quantos são da Maré? Nenhum, mas não tem ninguém da Maré? Eu era sempre o chato né, não tem nenhum da Maré? Não não tem nenhum da Maré. Mas porque que não tem nenhum da Maré? Parece que ouviram falar que na Maré não tem artista. “Na Maré não tem artista?”

Na Maré existe o Imagens do Povo, que é um projeto de fotografia do Observatório de Favelas, uma agência de formação. As pessoas trabalham por ali já que muitos se mantém de trabalhar com fotografia através dessa agência, e este é um espaço onde as pessoas também buscam fazer arte, né, cada um na sua forma.

Enfim, com essa a gente bateu na tecla. “Tem que ter, tem que ter, tem que ter. (um artista da Maré)” E emperraram dizendo que tinha uma verba limitada, que não sei que, não sei qual. Com a insistência abriram espaço para um “artista convidado”. “Artistas convidados” éramos nós que morávamos lá? Falei “Porra, vou escrever alguma coisa pra ser um convidado aonde eu moro?” E, aí foi legal, foi interessante né. Eu escrevi com a ajuda de alguns amigos. A minha ideia era fazer fotos de pessoas que moravam lá e que eram significativas praquele local. Que eram “vultos locais”, pessoas que eram conhecidas de alguma forma e botar essas pessoas na rua, a imagem delas na rua. A minha ideia era essa, que era pra mim o fato que eu estava comunicando com quem me interessava, que eram os que tavam ali que moravam ali. Ou seja eu achava que eu tinha de fazer aquela coisa ali falar com as pessoas dali também.

A exposição teve algumas ações. Tinha umas lonas eu não lembro qual a artista que concebeu, era tão alto que não dava pra ver… Foi uma coisa meio doida, era umas lonas que acabavam virando um filtro aí passava uma projeção, eu sinceramente acho que não funcionou muito bem. Tinha um que era bem interessante que era um letreiro que passava ao vivo, acho, em tempo real as cotações da bolsa, aquela porrada de numero passando. Só que era um negócio pequeno, assim … E eu “que porra é essa”? Aí um cara passou e falou assim “Essa porra é da bolsa cara! Da bolsa, nunca viu não? Na televisão, fica passando essa porra aí. Tinha umas relações legais assim…

(V2)
Isso era na rua?

(V1)
Era na rua em frente ao Redes. Tinha poucos trabalhos na rua, e eu lembro que quando eu falei pra fazer na rua, que eu queria fazer na rua, não tinha nenhum que eu lembrasse. A gente teve ideia de fazer as fotos em tamanho natural. Pensei assim: vou fotografar pessoas no local onde eu vou botar a foto em tamanho natural, então as fotos são gigantes 1m80 e tal. Ficavam no lugar onde tinham sido tiradas, então ficava uma coisa meio metalinguística aquela pessoa ali. De longe não se sabia se era o cara mesmo que tava ali, chegava perto e olhava … Uma foto era o Bira, um cadeirante e fotógrago, no lugar onde ele sempre fica na esquina, e outra era uma mulata assim dessas mulatas, né!? Era uma passista negra que tava sempre por ali, as pessoas conheciam, e foto era a mulher lindona assim parada… Só que ela tava numa foto no Piscinão de Ramos que é um lugar que o pessoal da Nova Holanda não vai, então eu queria também gerar uma coisa assim: “Onde é que essa mulher tá?” Um lugar bonito, ninguém sabia onde era, só quem era na Maré também.

Então eu falava com o de fora, e queria falar com o de dentro também, mas ficava uma coisa meio maluca, que era o que eu via ali pô,… “O que que tá acontecendo?” E ninguém sabia o que tava acontecendo, que a exposição estava acontecendo… As pessoas recebiam os panfletos, e se perguntavam “O que é isso? Onde é?” E o pessoal comentava: “Ah é lá tal lugar.” Enfim, teve essa luta em que fui eu que, tipo, o único que né furou ali a barreira, ai depois disso dizem que sempre vai ter um da Maré, e tal…

(V3)
Virou cota?

(V1)
É, a gente conseguiu, mas toda cota é na base da porrada. Tem gente que fala que não tem que ter cota, mas se não se forçar não vai ter cota. mas ai fica mea culpa as vezes, eu nao vou abrir essa questão com o espaço, então tudo é muito complexo…

*transcrição de um pedaço de conversa na oficina interna do projeto Vocabulário Político para Processos Estéticos.

 vocabpol em 22122014 conceito, entradas, índice

Conspiração

// por André Mesquita

Em grupo, ______________* arquitetam juntos as tramas secretas do mundo. Lançam murmúrios na rede. Desenham associações obscuras. Jogam com complôs e boatos. Teorias conspiratórias passam por regimes de elucubração coletiva, mistificações, sinais de paranóia, estados de cinismo. É possível revelar estruturas de poder autoritário, de controle ou de governança sem basear-se em especulações, falsos testemunhos e opiniões delirantes? Conspirações trabalham com incertezas, desvios e falhas de informação. Algo está sempre escondido. Tentam provar aquilo que não sabemos, ou aquilo que deveríamos saber. As provas se encaixam? Que pedaços de histórias podem juntas nos mostrar a verdade?

Instituições burocráticas e militares do Estado são responsáveis por manter, reservar e classificar como secretos conhecimentos “ameaçadores”. O “poder concentrado do segredo” é algo que Elias Canetti apontou como característico dos regimes ditatoriais. (1) Hoje, nos governos ditos “democráticos”, organismos normativos, agências de segurança e sistemas de vigilância usam informações confidenciais para controlar e dominar nações. Tudo o que uma teoria da conspiração quer é não explicar, mas produzir suspeitas para construir suas “verdades”. A ansiedade de querer conhecer o que não se sabe, de procurar enxergar o que está escondido nas sombras, ou até mesmo diante de nossos olhos, aponta para uma busca incessante pela transparência.

A ideia de transparência sobre um segredo que precisa ser trazido à público só evidencia o paradoxo de dizer que tudo está claro quando, na verdade, existe algo a ser resguardado. Somos tomados pela incerteza de não saber a verdade que se esconde por trás das cortinas, pois quanto mais se esconde, mais inegável torna-se a prova de que a informação é administrada e regulada. Evocar a “presença da ausência”, como fizeram as madres da Praça de Maio para comprovar as torturas e os desaparecimentos durante a última ditadura militar na Argentina, ou a recente pergunta “onde está o Amarildo?”, nos convocam publicamente a pensar que nem sempre a verdade que se encoberta pode ser enterrada por intimidações e sintomas de amnésia.

Teorias conspiratórias nunca são transparentes e lógicas. Para seus perpetradores, sempre existirá algo a mais no mundo que precisa ser provado. A desconfiança cresce. A intriga torna-se ilimitada. Expor um segredo não nos mostra a presença de um mundo “clandestino” ou um poder “paralelo” agindo em concomitância com o real. Ao invés disso, tal exposição enfatiza que esse mundo e esse poder atuam dentro de um espaço de disputa onde as nossas relações sociais cotidianas são construídas. O que mais falta à conspiração são pistas de suas teses e um sentido claro de suas ligações. Como provar associações sem cair nas falácias e armações da grande imprensa, ou nos memes disparados nas redes sociais? Criminalizar movimentos pode passar pelo viés conspiratório da acusação sem provas concretas.

É da natureza conspiratória falsear ou limitar informações. A internet é um grande repositório de teorias conspiratórias exóticas e fantasiosas, com páginas cheias de detalhes sobre o governo totalitário dos illuminati, sobre a presença de extraterrestres entre nós, sobre os segredos da morte de líderes políticos e religiosos, ou sobre o perigo de um controle mundial pelos fundamentalistas religiosos e grupos extremistas. Fatos, profecias e evidências confusas querem provar a verdade que não sabemos. Na rede, tudo parece estar sendo revelado, dando-nos a falsa sensação de que agora sabemos o que antes não conhecíamos. No entanto, o aumento da quantidade de informação circulando na web não significa maior clareza de entendimento.

No início dos anos 1980, Fredric Jameson (2) já havia apontado em sua crítica ao pós-modernismo a urgência de se produzir uma “estética de mapeamento cognitivo” como algo que nos ajudasse a cartografar os processos de integração global. Jameson também se referiu à necessidade de produzir uma arte política que conseguisse representar o espaço transnacional do capitalismo para que pudéssemos entender os nossos posicionamentos individuais, ajudando-nos a recuperar a capacidade de agir e lutar, então neutralizada pela nossa confusão espacial e social. Quase trinta anos depois, uma pergunta ainda deve ser feita: podemos articular a totalidade de um sistema social sem cair em uma análise conspiratória? Para Jameson, a conspiração tenta representar algo que não pode ser representável por meio de uma analogia do mundo real, simplificando estruturas de poder e distorcendo sistemas sociais. O fato de hoje tudo nos parecer conectado não significa que conseguimos desvendar a rede completa de uma trama.

 

* Inclua nesse espaço nomes de corporações ou organizações em conluio com atores influentes formando alianças ocultas e sigilosas.
Notas

(1) CANETTI, Elias. Massa e Poder. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

(2) Jameson, Fredric. The geopolitical aesthetic: cinema and space in the world system. Bloomington/Londres: Indiana University Press and BFI, 1992.

 vocabpol em 19122014 conceito, contexto, entradas, índice

Escuta

// por André Mesquita

Em Rhythmanalysis (1992), Henri Lefebvre situa a figura do “ritmanalista” como alguém atento não apenas à informação, mas dedicado a ouvir o mundo com todos os seus ruídos, as coisas sem significado, os vazios e os silêncios. Primeiro, o ritmanalista mergulha na escuta interna de seu corpo (a respiração, o coração, os músculos e os membros). Depois, percebe os ritmos externos – odores também marcam ritmos. O corpo do ritmanalista, diz Lefebvre, é um metrônomo.

O ritmanalista solicita todos os seus sentidos. Ele baseia sua respiração, a circulação de seu sangue, as batidas de seu coração e a pronúncia de seu discurso como pontos de referência. Sem privilegiar qualquer uma dessas sensações, criadas por ele na percepção dos ritmos em detrimento de outros. Ele pensa com seu corpo, não de forma abstrata, mas na temporalidade vivida. (1)

O ritmanalista não se coloca em posição superior, ou como produtor de uma disciplina especializada. Ao contrário, todas as pessoas produzem seus próprios ritmos integrando o interior e o exterior, chegando ao concreto por meio da experiência. O corpo que dança, o corpo que se movimenta pela rua, o corpo que luta, o corpo que colide com outro corpo. Todos esses corpos criam ritmos, são focos de experiência e de sons: a escuta e a execução de diferentes partituras.

As pessoas deveriam ouvir mais as outras pessoas. Artistas deveriam escutar mais. Artistas falam em “diálogo com um público mais amplo”, mas até que ponto suas respostas já não estão prontas? Artistas falam em colaborar com a comunidade, mas quantas vezes a voz do outro é diminuída ou não considerada? Projetos colaborativos propõem-se a trocar ideias e experiências, a produzir discursos através das diferenças. Um espaço de convívio mútuo não garante um lugar democrático onde os conflitos são apagados – como propõe o modismo de um conceito como “estética relacional”, atrelado ao confinamento do mundo da arte e da cultura empresarial em atividades com a inclusão do “outro social”. Esse tipo de prática domestica situações de encontro para encenar “micro-utopias” falsamente democráticas e exploradas no espaço protegido das instituições. Quando a própria voz da colaboração com a comunidade não é ouvida ou abafada, o “outro” transforma-se em “coadjuvante” e o artista/coletivo passa a valorizar apenas a sua própria agenda de interesses, êxitos e méritos. Sem aumentar a sua capacidade de escuta coletiva, o artista pode assumir um papel paternalista de falar em nome do outro considerado “desprivilegiado”. Ou realizar uma forma de “turismo”, para o qual uma comunidade serve como um lugar que precisa ser “melhorado” por suas ações – o artista/coletivo age como um Robin Hood às avessas. Escutar requer um momento crítico de abertura, de não-ação como aprendizado, produzindo consensos mas também dissonâncias. (2) Ouvidos em tensão. O processo é a soma de diferentes ritmos e pulsações.

Notas

1. LEFEBVRE, Henri. Rhythmanalysis: Space, Time and Everyday Life. New York: Continuum, 2004. p. 21.

2. Ultra-red. Five Protocols for Organized Listening, 2012. Disponível em: <http://www.ultrared.org/uploads/2012-Five_Protocols.pdf>.

 

 

//  (((caos-complexidade-escuta))) *

V1: Queria trazer um pouco pra nós aqui as noções de caos e complexidade. O que é um possível caos das coisas, e o que é uma complexidade que a gente possa construir. Pensando que há uma relação entre caos e complexidade, podemos propor uma complexidade temporal, fragmentária, que funciona como uma imagem protótipa, que abre o contexto de uma situação com a qual queremos lidar, por exemplo. Não quero totalizar a definição da complexidade como sendo complexa por si e impossível de criar uma entrada. Quando eu falo complexidade eu quero me endereçar a uma coisa mais possivelmente material, real, que é no nosso caso aqui um assunto comum, o terreno comum das manifestações no Brasil que se intensificam a partir de Maio/Junho de 2013. A ideia de complexidade poderia servir de um modo se a gente quisesse dar conta da maior quantidade de assuntos e temas e expressões que surgem no contexto das manifestações, é óbvio que a gente não vai (conseguir) fazer isso, a gente não aqui nesse pouco tempo/espaço. Proponho que a gente pense aqui a questão da complexidade como sendo assim um arranjo, um arranjo temporal em que algumas coisas se articulam e que a gente pode visualizar o que é que tá acontecendo a partir de pontos de vista diferentes em um mesmo contexto. Uma maneira de operar que não pretende totalizar o assunto, mas por meio da qual  conseguimos visualizar alguns pontos que identificamos como básicos, e seus contrapontos. Assim podemos, num primeiro momento, trazer alguns pontos que nos parecem importantes abordar no aspecto das manifestações no Brasil como um momento importante de produção estético-política; e num segundo momento partir para uma conversa que coloca em tensão os pontos que foram trazidos, relacionando assuntos, sujeitos, relatos, perspectivas.

Para produzir via construção de uma complexidade a partir de um coletivo temporal, contingente, eu vejo o exercício de trabalho coletivo como sendo um exercício de escuta. A escuta pode ser pensada como uma ferramenta que qualifica os intercâmbios, nos processos coletivos, sociais, comunicativos e etc. Há vários modos de pensar e praticar a escuta, e todos dependem claro da capacidade auditiva e da atenção relacionadas. Um deles que pode ser interessante de trazer aqui é a noção de escuta como sendo uma escuta atenta que permite que …eu… por alguns segundos, …eu… meio que esqueça um pouco das minhas certezas e me deixe permear um pouco por aquilo que está sendo trazido pela outra pessoa. Então a escuta seria em uma instância o exercício de um escuta não preconceituosa, seria uma escuta desmontada de pré-concepções, que aceita o que vem sendo dito, e que claro, mientras tanto analisa, …não que eu vá abraçar imediatamente o que o outro está me dizendo, claro, mas pelo menos eu esteja num estado de latência um pouquinho mais aberto que me deixa ouvir mais do que eu pudesse estar ouvindo.

V2: Mas é possível isso?

V1: É isso que estou dizendo, não quer dizer agente vá se incorporar ao modo de vida do outro, é só escuta. No sentido de que o ouvido tá aberto e de que há uma escuta, uma escuta da diferença. Repensar a escuta pode servir para quebrar a ideia da escuta como algo natural, algo que acontece mesmo que eu não queira, a ideia de que “meu ouvido tá sempre aberto”. Pode servir para incorporar a observação da operação cognitiva da escuta, pensar o processo da análise ou da atenção que vem junto com a escuta. Porque a gente tem filtros, que estão sempre operando quando a gente tá escutando tudo ao redor. E esses filtros são nossa garantia ética também, claro, que provocam distinções naquilo que estamos ouvindo.  Acredito que nossa escuta fica ainda mais “armada” quando a gente está numa situação pública, coletiva, sei lá, numa palestra por exemplo, numa conversa de um determinado assunto, em uma reunião de movimentos com modos de operar e referências diferentes. A gente até usa o termo “policiando” (!!) para pensar em como estamos “policiando discursos”, para descrever essa condição da atenção!

V3: Se antecipando…

V1: Antecipando… o discurso do outro. Que pode ser em vários sentidos, né?

V2: Mas ao mesmo tempo também você está ali com algumas lacunas abertas que você quer preencher. Então eu acho que até quando você descobre um termo, as vezes é porque você tem questões ao redor dele. Imagina, você tá precisando acessar melhor alguma questão mas você não tem um termo, daí você ouve “gentrificação”, ufa!, entrou né! Tipo, preencheu aquilo que você andava ao redor. E você já começa a usar. Vejo que é muito isso assim. E ao mesmo tempo você também rejeita, no sentido de que você pode rejeitar um vocabulário que já é, já não expande mais nada. Tipo tem discursos que já não movem mais coisa alguma e as pessoas persistem nele porque meio que elas se sustentam assim.

V1: É que a subjetividade se constrói muito pelos discursos, né. “Eu sou assim, eu penso assim. Eu me movo assim no mundo…”

V4: Não necessariamente da mesma forma o tempo inteiro…

V1: Não, não. Claro… às vezes a gente percebe uma mudança de posição, e isso é bem interessante. É até uma escuta de si, será?

Com essa coisa da escuta, de escuta da diferença tem mais dois pontos. Um que eu tava trazendo pra gente pensar era essa noção de pontos de vista diferentes. Que na nossa oficina seria a gente pelo menos passear por isso, passear pelas nossas conversas, percebendo o que é que a gente pode aprender. Então antes de pensar em incorporar o discurso do outro, há algo na sua fala e na sua experiência que pode nos ensinar algo, será?… Se bem que aqui a gente tá num processo super curtinho assim, são dois dias de oficina, né. Na oficina da semana passada, que foi de uma semana, foram acontecendo várias coisas interessantes que mostravam que a gente tava um pouco mais permeável um ao outro. e que havia possibilidade de estar pensando algumas possibilidades assim. E nem tanto de um-pra-um, tipo “eu aprendi aquilo com ele/ela pra mim”, mas de criação juntos… Então outro aspecto da escuta, que tem a ver com essa escuta que vai além da escuta como coisa natural e dada, e que podemos seguir conversando é a escuta de elementos não discursivos, que estão além da literalidade do que vem sendo dito. E essa é mais complicada por que ela depende de um misto de atenção e análise mas de colaboração, criação, e ainda… não de julgamento do outro.
* Transcrição de conversa da Oficina na Aldeia Gentil, Abril/2014

 vocabpol em 14122014 ação, entradas, índice, metodologia

Estratégia

// por Julia Ruiz

Eficácia e acúmulo, mas não só. Pensamento, inteligências de luta, conhecimento a cavalo entre o futuro e o presente, entre o desejo e mundo: medir distâncias, calcular possibilidades, prioridades e objetivos. Sacar – a duras penas – das múltiplas tensões da vida, o metal precioso dos objetivos e prioridades.

A palavra estratégia é difundida em seus usos militares pela obra de Karl von Clausewitz (1780-1831), que Lenin gostava de citar. De fato, é depois da Revolução Russa que o conceito militar de estratégia começa a figurar em manuais programas políticos como uma categoria específica, que diz respeito à luta revolucionária pela tomada do poder. Na segunda metade do século XX, embora ganhe tom subversivo nos contextos das lutas sociais na América Latina, a estratégia parece se desgastar, como faca que perde o corte, na medida em que seu uso prolifera nos mais diferentes campos da organização social e da ação coletiva – dos partidos e sindicatos às ONGs; principalmente em sua apropriação pelo mundo empresarial e pelo marketing publicitário.

Em busca de outras novas formas de fazer política, chegamos a detestá-la: a estratégia torna-se sinônimo de um ponto de vista único, da centralização, do direcionismo, do “de cima para baixo”, do silenciamento de todo o resto. Pelas repetidas vezes em que vimos nossas melhores intenções apropriadas pelas máquinas infernais do autoritarismo e da mercantilização, preferimos muitas vezes esquecê-la, evitá-la. Depositamos nossas esperanças na proliferação espontânea das diferenças em vez de nos metermos (de novo?) a arquitetar hierarquias. Deixamos para depois, ou para outrem, a indelicada tarefa de traçar rotas – acreditamos assim evitar o perigo das lâminas afiadas.

Mas a estratégia está sempre lá. O cálculo, o corte, a manipulação das relações de força estão em operação onde quer que haja um sujeito de querer e de poder. Antes de estar referida a algum objetivo, a estratégia é o gesto que postula um lugar “próprio”: esse “nós” ou esse “aqui” separado do resto do mundo. É a definição desse “próprio”, ainda que transitória, que possibilita a ideia de manipular relações com aliados, alvos e ameaças “externos”: amigos, inimigos, concorrentes e colaboradores ocasionais, públicos, objetos e objetivos.

A estratégia nesse sentido está presente em todo processo criativo: não é apenas uma relação entre a ação e um objetivo a ser conquistado, mas um gesto pelo qual efeitos de totalidade são produzidos na experiência individual e coletiva. A possibilidade de que um conjunto de eventos, ou mesmo uma intenção colaborativa entre diferentes sujeitos, possa ganhar um nome próprio é impensável sem este gesto que circunscreve um espaço político. Mesmo riscada do dicionário, a estratégia segue operando em qualquer coisa, processo, coletivo etc – que esteja se constituindo como lugar de onde projetar visões, mensagens, análises, imagens, propostas, campanhas, acusações, conspirações, inspirações etc.

Frequentemente, com um pé atrás diante de tudo que pretende organizar o mundo a partir de um lugar de querer e poder, preferimos imaginar a nós mesmos como dotados de uma criatividade sempre móvel, como nômades, como seres intersticiais. É um problema que a estratégia – como vocábulo político – caia em desuso entre “nós”. Por que precisamos deste “nós”, “nosso” problema é esse. Mesmo quando se trata de “espaços abertos” e “processos horizontais”, que querem ser diferentes dos modelos frustrantes da organização política moderna, uma proposição política coletiva é sempre enunciada como um lugar de saber, querer e poder, como um lugar de onde se espera manipular relações de força.

A horizontalidade e a abertura concebidas como modelos de organização, em que estaria abolida a manipulação de relações de poder, podem também favorecer o ocultamento da separação entre aqueles que formulam e traçam as rotas e aqueles que as seguem. É preciso lembrar que o capitalismo neo-liberal ou pós-moderno é ele mesmo construído sobre redes não hierárquicas e opera dentro dessa lógica. Mas um “espaço horizontal”, em seu sentido político, pode ser também um jeito de descrever uma experiência de renovação de laços, em que a intensa contaminação se confunde com a “esperança de um mundo diferente”; um momento experimentado como uma espécie de ‘grau zero’ da política, em que todo mundo se encontra em um mesmo nível de ação.

A esperança, expectativa, euforia, o sentimento de confiança e mesmo de frustração vividos e compartilhados nesses momentos cumprem um papel crucial na produção dos “nossos” lugares comuns. Essas sensações e conflitos nos lembram que todas as relações, inclusive as ditas “horizontais”, não são dadas ou mágicas, mas sempre construídas. Lembram o quanto de nós precisamos investir para criar um espaço político aberto, porque um espaço aberto precisa ser aberto por alguém – exige as dores e delícias de um querer e de um gesto de poder.

A estratégia tem a ver precisamente com o envolvimento no trabalho prático de cortes, separações e reduções implicadas na produção do espaço comum: mesmo a menor das decisões, como sabemos, é no final uma decisão política. O grau zero da política não está na recusa das escolhas estratégicas, mas na experiência comunal de imersão nessas escolhas, nesses exercícios de engajamento pleno, corporal e afetivo com o poder, com as tomadas de decisão e suas consequências, onde se originam nossas maiores frustrações, mas também o prazer e a esperança que tornam as experiências políticas inesquecíveis e irreversíveis.

 vocabpol em 13122014 cartografia, contexto, entradas, índice