Carta de não participação imersiva aqui por uma tentativa de preferir não lá

// por Beatriz Lemos

Na semana de encontro do projeto Vocabulário Político para Processos Estéticos fui convidada para realizar uma fala na Casa Daros. A Casa Daros é uma instituição sediada no Rio de Janeiro desde 2007, pertencente à Coleção Daros Latinamerica, com sede na Suíça, que por sua vez pertence à Fundação Daros. (1) A Coleção da Fundação Daros é uma coleção voltada para arte contemporânea na América Latina e que no Rio vem atuando com o foco em programas de arte e educação, seminários e exposições a partir da própria coleção. Apesar do vínculo genealógico da Casa com sua Fundação mãe, parece querer-se omitir este dado, sendo a instituição sediada no Brasil, sempre correspondida apenas à Coleção Daros Latinamerica.

O convite feito pela Casa Daros para que eu participasse de uma conversa tratava-se de uma apresentação sobre a revista Elástica, publicação que edito ao lado dos artistas Thais Medeiros e Rafael Adorján, na ocasião do Seminário Publicações de Arte no Brasil, coordenado pela artista e teórica Katia Maciel. Elástica surgiu em 2010 e se encontra na terceira edição. Sua linha editorial busca o alargamento – elasticidade – dos interesses do meio de artes visuais e propõe diálogos entre diversas áreas a partir de colaborações de artistas e teóricos. É publicada pela editora Multifoco, porém a parceria se restringe a acordo apenas na impressão, sendo a editoração, projeto gráfico e produção por vias independentes e não remuneradas.

O encontro foi inédito no Brasil até então, logrando o atravessamento de iniciativas editoriais independentes, institucionais, comerciais e de artistas, contemplando um panorama nacional histórico e atual. A convergência de datas entre essa fala e o projeto do Vocabulário (acontecendo naquela semana no Capacete) que inicialmente não se apresentava como dificuldade dado à flexibilidade presencial que tais compromissos exigiam, foi crucial para o aprofundamento de questões que vinham me atravessando, mas subtraiu meu foco e presença do processo imersivo pedido pelo Vocabulário.

Isto porque até aquele momento, véspera de minha fala na Casa Daros, eu nada sabia (assim como, acredito que muitos latino-americanos não tenham conhecimento) do envolvimento da Fundação Daros – mais precisamente de seu presidente, o magnata suíço Stephan Schmidheiny -, em grandes desastres ambientais pelo mundo e da origem de sua fortuna familiar fundada em anos de extração e produção de amianto em cerca de 40 países em 4 continentes. Não somente desastres ambientais, como mortes e danos irreversíveis à saúde de milhares de pessoas, desencadearam processos em instâncias internacionais, como o “Juicio de Turin”, mas que devido a lógica financeira de mundo (que privilegia o lucro e não o respeito à vida), são silenciados ou abafados pela grande mídia, principalmente em contextos latino-americanos, onde, não por acaso, a Fundação Daros dedica sua pesquisa educacional. Para completar a rede sistêmica de sarcasmos do capital a mesma família ergue em 1994 a Avina, conhecida fundação de fomento às iniciativas para o meio ambiente, cujo principal objetivo é contribuir para promoção do desenvolvimento sustentável na América Latina. (2)

O seminário de publicações não pretendia nem endereçava trabalhar esta trama do império do amianto diretamente porém, não pude deixar de atentar para os limítrofes pessoais em nossa atuação – seja artista ou curador – e as ligações relacionais que estabelecemos a cada trabalho. O que é inegociável para você? O amianto foi um mineral condenado por seu grau de periculosidade já no final do século 19, sendo esse dado omitido por quase todo século posterior. Segundo pesquisas econômicas é visto como símbolo da modernidade industrial, pois projetou a atual divisão global do trabalho, se tornando um precursor do capitalismo sem fronteiras (ver texto de Guillermo Villamizar: Daros Latinoamericana: memorias de un legado peligroso). (3) Vínculos econômicos questionáveis parecem ser o ponto frágil de muitas instituições de arte e cultura em todo mundo. No Brasil grandes instituições como Inhotim, Itaú Cultural, Museu da Vale e MAR – Museu de Arte do Rio, para citar como exemplos de repercussão, são alvos de críticas e, em alguns casos, de ações ativistas de boicote ou denúncia.

Quando Bartleby, o personagem escrivão do conto do escritor Herman Melville, apenas “prefere não” (dando indício ao fazer determinada função), em 1853, acredito que sintetiza muito do que consiste a dinâmica de trabalho e relações com que lidamos hoje na arte. (4) O “preferiria não” como resposta às encruzilhadas políticas propostas corriqueiramente por nosso meio profissional me veio, não por acaso, através de interlocuções com colegas como Pedro França, Graziela Kunsch e Kamilla Nunes, sincronamente, semanas antes do episódio em relato, e com Yuri firmeza, no momento de escrita desta carta. Em seu texto original, Bartleby não menciona o verbo, o que indetermina o que ele rechaça. A potência de sua sentença enquanto função-limite se dá, de acordo com Deleuze, no aniquilamento do referencial na linguagem – com o outro, com algo -, desestabilizando, assim, os parâmetros do interlocutor. Ou seja, a força do personagem, é a força da atitude do tolo, que quebra códigos de padrão, mas sem quaisquer esclarecimentos, apenas tem a decisão de não participar de negociações dessa natureza.

Contudo, tal posicionamento de ausência se difere de uma negativa-afirmativa como por exemplo, no trabalho de Graziela Kunsch “Sem título (prefiro não fazer)”, em ocasião da exposição Caos e Efeito, no Itaú Cultural, São Paulo, com curadoria de Fernando Cocchiarale e Pedro França (2011). A artista recorre à sentença de Melville, expondo-a como sua obra, em um nítido movimento que indica sua insatisfação de estar presente. Neste caso, o “preferiria não”, encontra sua reportação de ação (o fazer e, neste caso, o estar presente), facilitando ao público identificar o endereçamento da crítica sem precisar ter conhecimento do histórico do trabalho. Assim, mesmo tendo a ação sido suscitada pelo não pagamento dos artistas participantes, sendo a exposição a pretensão de uma vasta “catalogação” da jovem produção contemporânea nacional, o sutil gesto de Kunsch se alarga e faz incidir sua crítica seja à instituição, à curadoria, ou às estruturas de poder, legitimação e remuneração empregadas na arte.

Em tempos onde a radicalidade pode cair em contradição, pois o sistema do capital se retroalimenta de todas as instâncias da vida (os modos de ser, as escolhas profissionais, a alimentação, o vestuário, a moradia, os meios de transportes, a educação, a saúde a política, etc), o NÃO e o SIM trocam de lado a cada novo trabalho/convite e (parece que) tudo pode ser relativizado, já que a verdade está mais no olhar do que naquilo que é olhado, preferir é escolher, mas não estamos acostumados a fazer passar a escolha necessariamente por negação. Entender que os vínculos do dinheiro que financia a arte em todo mundo são comprometidos diretamente com a perpetuação das desigualdades sociais faz de questionamentos sobre limites individuais e coletivos mantras de sobrevivência para os que ainda se incomodam. Ou seja, o SIM nunca deve ser absoluto e o NÃO sempre atento à coerência.

Em convergência, eu já vinha refletindo sobre meu real desejo de um modelo de revista, o qual não se aproxima da ideia linear de periódico de arte que dê conta das ansiedades do meio, tanto de conteúdo quanto de permanência. Ou seja, a Elástica participar em um “evento institucional de arte” não me parecia algo congruente. Afinal, para que mais uma revista de arte? (Essa fora a pergunta de nossa primeira edição.)

Deste modo, tendo como contexto e argumento os três temas levantados pela revista ao longo de história de suas edições (1. Pra que mais uma revista de arte?, 2. Sustentabilidade, 3. Invisível) propus para o corpo editorial da Elástica uma ação de “invisibilidade” através da leitura de uma carta que entrelaçava a indagação de porque existir enquanto revista, as escolhas de mundo que se pode fazer e o invisível como a decisão de não estar presente. Essa opção se daria eticamente, óbvio, por divergências políticas que ultrapassavam o fato do seminário.

Este encadeamento de fatos se deu em menos de dois dias antes da fala na Daros e durante os primeiros dias do Vocabulário. Para mim, tempo suficiente para tomada de posicionamento e decisão de invisibilidade. Para meus companheiros de revista, era um tempo curto para amadurecimento de ideias. Ou seja, a “ausência” como ação não aconteceu devido à incompatibilidade de opinião entre os editores.

Reproduzido aqui trechos da carta-invisível que não se fez visível:

A pergunta lançada na primeira edição retorna gerando outras dúvidas de posicionamento: Como não ter uma visibilidade óbvia (ou regular) no meio? Como tornar visível, para além da presença da revista, questões discutidas através dela? O quanto de elasticidade pode haver na ideia de revista? E por fim, como tornar o invisível a presença de uma questão?

Ser uma revista independente nos dá total liberdade de uma constante auto avaliação e reformulação de projeto, o que está intrinsecamente envolvido com nossos princípios e limites. Neste momento, estar com vocês desta forma, compreende o desejo de uma revista como algo que reverbere para além do formato publicação, que atravesse o pensamento em arte, tendo responsabilidade nas escolhas. E assim, acreditamos estar de total acordo com o que projetamos como conceito propulsor para Elástica.

O devir invisível não significa não existência ou a deficiência de visão. Seu prefixo IN já indica a existência de uma visão de dentro. Ou seja, ao deparar-se com as invisibilidades o meio é modificado – ou no mínimo friccionado.

A visibilidade das coisas nos dá o parâmetro do que é real ou não. Contudo, se propomos a invisibilidade presencial como resposta ao convite para este seminário é porque acreditamos que o invisível se torna visível quando é nominado.”

Assim, estive presente en persona, preferindo antes não, mas ciente que a autonomia do coletivo não é individualizada. A carta foi lida e contextualizada tendo como apoio os meus interesses na edição de uma revista de arte:

Esta carta foi escrita pensando na possibilidade de não estar presente fisicamente em um contexto como este, institucional, privado, legitimador, pois nossa maior premissa é como elevar ao máximo a ideia de elástico, pensar em proposições enquanto revista não sendo o que se entende a priori como revista. Este lugar estranho é onde almejamos chegar. Contudo, nos damos conta, todo momento, que trilhar um caminho não usual nem sempre é fácil, prático ou rápido. Pensamos sim em realizar uma ação de invisibilidade que suscitasse questionamento para o que está visível, retornando a pergunta: para que mais uma revista de arte? Esta não era somente uma pergunta existencial. Queríamos com ela repensar nossas próprias necessidades, enquanto editores, de atravessamentos e discurso no campo da arte.

O que é descrito aqui vem de encontro onde gostaríamos de chegar, quase como uma utopia editorial de extrapolar a própria ideia de independência como revista. Sabemos o que queremos como proposta, porém reconhecemos a dificuldade de alinhar desejo e prática, por uma série de negociações, imprevistos ou impedimentos internos ou externos.

Como o próprio o nome diz – Elástica – surgiu da vontade de elasticidade do termo arte. Queríamos um lugar onde pudéssemos reunir além da crítica, textos mais livres, também informativos, resenhas, poemas, pensamentos soltos ao lado de trabalhos de artistas, proposições, roteiros ou receitas. Que reunisse a instituição, a galeria, a academia, a rua e a fazenda. Enfim, uma curadoria, em seu sentido de rede de associações, como publicação (…)

Esta carta tenta reunir dois assuntos:
1. Prefiro não fazer
2. Por que editar uma revista de arte?

Assim, me pareceu coerente que pudéssemos “esticar” a Elástica para estar aqui (Vocabulário) / lá (Casa Daros) invisíveis, estar num devir além-do-não de Bartleby, que não somente sinaliza, mas se responsabiliza por um desacordo com o modo de funcionamento econômico da Fundação Daros, considerando seu envolvimento com a produção de amianto que, reconhecemos como anti-ética. Pela série de compromissos que eu já cumpriria naquela semana, pela realização/participação no seminário na Casa Daros e pela semana de imersão do Vocabulário percebo que fiquei um tanto “entre os espaços”, o que não necessariamente configurou uma ausência no Vocabulário, contudo me trouxeram uma sensação de “não imersão”. Foram essas as relações e confrontações que configuraram minha semana durante aquele período de oficina interna proposta pelo Vocabulário, me parecendo pertinente trazê-las para o Vocabulinário.

 

Notas

(1) http://www.casadaros.net

(2) Algumas referências em periódicos virtuais: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/tribunal-de-turim-condena-barao-do-amianto-a-18-anos-de-prisao-um-hino-a-vida.html, bit.ly/1pCRKUp e http://www.revistaelobservador.com/opinion/29-lecturas-impertinentes/5203-el-juicio-de-turin-contra-los-magnates-del-asbesto

(3) Villamizar, Guillermo. Daros Latinoamericana: memorias de un legado peligroso. Internet: Esferapublica.org. Publicado em 3/12/2012. http://esferapublica.org/nfblog/?p=53384

(4) Melville, Herman. Bartleby, o Escrivão. Novela do escritor norte-americano Melville (1819-1891). A história apareceu pela primeira vez, anonimamente, na revista americana Putnam’s Magazine, divida em duas partes. A primeira parte foi publicada em Novembro de 1853, e concluída na publicação em Dezembro do mesmo ano. A novela foi relançada no livro The Piazza Tales em 1856 com pequenas alterações. (Wikipedia)

 

 

// Tem artista na Maré?*

 

(V1)
Na Maré acaba que depois de um certo tempo, você mesmo não morando na Maré acaba sendo da Maré. A Maré depois que você começa acessar umas coisas parece que ela te toma, né!?

Tem uma situação interessante , vou citar uma coisa que acho que tem a ver. Foi criado um projeto na Maré tem essa ideia de criar trânsito, criar troca, aprendizagem…

Chegaram os curadores do projeto e apresentaram o projeto da exposição: todos os artistas já estão aqui, os nomes e tal. Então perguntei: quantos são da Maré? Nenhum, mas não tem ninguém da Maré? Eu era sempre o chato né, não tem nenhum da Maré? Não não tem nenhum da Maré. Mas porque que não tem nenhum da Maré? Parece que ouviram falar que na Maré não tem artista. “Na Maré não tem artista?”

Na Maré existe o Imagens do Povo, que é um projeto de fotografia do Observatório de Favelas, uma agência de formação. As pessoas trabalham por ali já que muitos se mantém de trabalhar com fotografia através dessa agência, e este é um espaço onde as pessoas também buscam fazer arte, né, cada um na sua forma.

Enfim, com essa a gente bateu na tecla. “Tem que ter, tem que ter, tem que ter. (um artista da Maré)” E emperraram dizendo que tinha uma verba limitada, que não sei que, não sei qual. Com a insistência abriram espaço para um “artista convidado”. “Artistas convidados” éramos nós que morávamos lá? Falei “Porra, vou escrever alguma coisa pra ser um convidado aonde eu moro?” E, aí foi legal, foi interessante né. Eu escrevi com a ajuda de alguns amigos. A minha ideia era fazer fotos de pessoas que moravam lá e que eram significativas praquele local. Que eram “vultos locais”, pessoas que eram conhecidas de alguma forma e botar essas pessoas na rua, a imagem delas na rua. A minha ideia era essa, que era pra mim o fato que eu estava comunicando com quem me interessava, que eram os que tavam ali que moravam ali. Ou seja eu achava que eu tinha de fazer aquela coisa ali falar com as pessoas dali também.

A exposição teve algumas ações. Tinha umas lonas eu não lembro qual a artista que concebeu, era tão alto que não dava pra ver… Foi uma coisa meio doida, era umas lonas que acabavam virando um filtro aí passava uma projeção, eu sinceramente acho que não funcionou muito bem. Tinha um que era bem interessante que era um letreiro que passava ao vivo, acho, em tempo real as cotações da bolsa, aquela porrada de numero passando. Só que era um negócio pequeno, assim … E eu “que porra é essa”? Aí um cara passou e falou assim “Essa porra é da bolsa cara! Da bolsa, nunca viu não? Na televisão, fica passando essa porra aí. Tinha umas relações legais assim…

(V2)
Isso era na rua?

(V1)
Era na rua em frente ao Redes. Tinha poucos trabalhos na rua, e eu lembro que quando eu falei pra fazer na rua, que eu queria fazer na rua, não tinha nenhum que eu lembrasse. A gente teve ideia de fazer as fotos em tamanho natural. Pensei assim: vou fotografar pessoas no local onde eu vou botar a foto em tamanho natural, então as fotos são gigantes 1m80 e tal. Ficavam no lugar onde tinham sido tiradas, então ficava uma coisa meio metalinguística aquela pessoa ali. De longe não se sabia se era o cara mesmo que tava ali, chegava perto e olhava … Uma foto era o Bira, um cadeirante e fotógrago, no lugar onde ele sempre fica na esquina, e outra era uma mulata assim dessas mulatas, né!? Era uma passista negra que tava sempre por ali, as pessoas conheciam, e foto era a mulher lindona assim parada… Só que ela tava numa foto no Piscinão de Ramos que é um lugar que o pessoal da Nova Holanda não vai, então eu queria também gerar uma coisa assim: “Onde é que essa mulher tá?” Um lugar bonito, ninguém sabia onde era, só quem era na Maré também.

Então eu falava com o de fora, e queria falar com o de dentro também, mas ficava uma coisa meio maluca, que era o que eu via ali pô,… “O que que tá acontecendo?” E ninguém sabia o que tava acontecendo, que a exposição estava acontecendo… As pessoas recebiam os panfletos, e se perguntavam “O que é isso? Onde é?” E o pessoal comentava: “Ah é lá tal lugar.” Enfim, teve essa luta em que fui eu que, tipo, o único que né furou ali a barreira, ai depois disso dizem que sempre vai ter um da Maré, e tal…

(V3)
Virou cota?

(V1)
É, a gente conseguiu, mas toda cota é na base da porrada. Tem gente que fala que não tem que ter cota, mas se não se forçar não vai ter cota. mas ai fica mea culpa as vezes, eu nao vou abrir essa questão com o espaço, então tudo é muito complexo…

*transcrição de um pedaço de conversa na oficina interna do projeto Vocabulário Político para Processos Estéticos.

 vocabpol em 22122014 conceito, entradas, índice

Complexidade

Complexidade

// Cristina Ribas

Parêntesis de Anamalia Ribas

“Quem diz a verdade? Esta não é mais a questão, mas sim a de saber como e em que condições pode melhor aflorar a pragmática dos acontecimentos incorporais que recomporão o mundo, reinstaurarão uma complexidade processual.” Félix Guattari, Caosmose: um novo paradigma estético, 1992

“Todos aqui devem ter tido a experiência – eu, pelo menos, a tenho frequentemente  – do contraste entre a descoberta da complexidade, da riqueza, da diferenciação que se pode ter entre numa experiência onírica e a pobreza de meios que se tem ao despertar, quando se tenta expressar essa produção onírica pela rememoração, pela escrita ou pelo desenho. Aqui, eu me permitiria questionar toda referência à indiferenciação, toda referência às mitologias espontaneístas: toda vez que conseguimos agenciar dispositivos de expressão que escapam ao despotismo do sistema das significações dominantes, que escapam à articulação de todas as sintaxizações dominantes, estamos justamente lidando com maquinismos altamente elaborados.” Félix Guattari e Suely Rolnik, Micropolíticas: cartografias do desejo,  1986

Complexidade. (…) 3 Psicol Experiência em que se encontrem unidos elementos de espécies diversas. 4 Em psicanálise, grupo de ideias impregnadas de força emotiva, as quais produzem atividades inconscientes. Dicionário Michaelis

“Apenas a intersecção do finito e do infinito, no ponto de negociação entre complexidade e caos, será possível desenroscar graus de complexide mais altos dos que o capitalismo financeiro é capaz de gerenciar e elaborar.” Franco Bifo Berardi, The Uprising: on poetry and finance, 2012

Por onde entrar? Num vocabulário de vozes, numa produção de sentidos, num rizoma de textos? Pode ser que nem percebamos uma transição, e de repente já estamos dentro. A coisa é perceber que vamos entrando – que já somos – parte  de um bom pedaço dessas vozes. A coisa é perceber como é que vamos entrando – como é que já somos – um bom pedaço dessas vozes. Folheamos procurando um pouco de identificação, mas também um pouco de acaso ou de enfrentamento a uma coisa que dominamos, um conceito que nos toca, uma prática que apelidamos. Por vezes percebemos um contraste, visto que as vozes falam de um jeito que não concordamos, não daquela maneira, então nos despojamos daquilo. Identificamos um regime de falas que não nos interessa. Nesses casos a porta de saída é mais fácil do que a expectativa da entrada.

Talvez nem no primeiro modelo da adesão completa, nem no segundo da separação por regimes, os vocabulinários não tenham limites precisos, e trabalhem abrindo zonas, expondo zonas de contaminação e criando intervenções nos nossos vocabulários.  Os vocabulários partilham de um espaço pleno de complexidade. Esta é, então, uma maneira de pensar a complexidade.

 

Complexo do Self

Olha isso. Eu digo. Olha esse  “Complexo do Self”. Bureau D’Études(*) é uma dupla de artistas-cartógrafos-diagramadores.  No diagrama do Complexo do Self vemos vários duplos nominados ao lado da representação de cabeças-tronco gordinhas, tipo João-bobo (vou chamá-los de João-bobo). O duplo Admistrativo, o duplo Econômico, o duplo Eletromagnético, o duplo Biológico, o duplo Psicológico, o duplo Semiótico, o duplo Metafísico. Duas alteridades são sinalizadas em Joãos-bobo em branco: alteridade Metafísica e alteridade Biológica. Nas pontas de cada percurso que parte das cabeças-tronco estão formas exagonais que expõe os diversos números que serializam as pessoas no mundo contemporâneo e, portanto, nos identificam. Número de identidade social, número do carro, número do sistema de saúde, número do telefone, número do consumidor (o cartão do banco), número do cartão de compras do supermercado, entre outros. Tarjas pretas indicam os complexos aos quais aqueles processos pertencem: complexo industrial da mídia, complexo industrial da produção de comida, complexo industrial da justiça, complexo industrial das roupas, entre outros. De que se trata? De um diagrama de um sujeito abstrato (( Aqui não está claro para mim o uso do abstrato ??? Porque abstrato, visto que ele é tão multifacetado, ele é tão multi que ao mesmo tempo não é. Pois não é em si. Ele só é na relação, com os fluxos, com o outro, com o duplo. Abstrato no sentido de que algo que não se identifica??? )) , dos fluxos materiais e virtuais que atravessam sua existência, desde um “eu aceito viver com roupas”, “eu uso alguma planta nuclear para produzir energia” a “eu produzo uma criança”.  O “Eu” expressa as muitas vozes num sujeito hipotético que assume diversos estados e verdades (( Não caberia colocar aqui também: assume papéis e valores? )). É quase como se não houvesse um sujeito, visto que não está congelado (( É um sujeito multifacetado, não é sujeito em/de si, ele é assujeitado…)) .  Ele está sempre relacionado aos seus diversos duplos. A cartografia explicita que esse “Eu” perpassa diversas definições ou realizações de si.  Abaixo do hexágono do duplo Semiótico, por exemplo, se lê  “ ‘Eu’ é uma ficção linguística”, e ao lado do duplo Administrativo se lê “ ‘Eu’ é uma produção social”.

Se é possível que nos reconheçamos eventualmente numa dessas posições (por transdução), é possível que criemos também outras linhas e outros processos de subjetivação que multiplicam essa cartografia de um “eu” (excesso).  Às vezes podemos perceber que estamos “entre” funções, visto que somos agenciados por dois (ou mesmo mais) movimentos. Esta coisa que acontece entre, que podemos chamar de agenciamento, tanto pode nos colocar em uma situação de imobilidade ou de impasse, ou pode nos fazer ativos. A partir da percepção de fluxos e de agencimentos, sejam eles mais ou menos autoproduzidos, se produzem “eus-transicionais.” A cartografia Complexo do self coloca em evidência o não isolamento de um indivíduo. Coloca em evidência as significações e as codificações que se imprimem a partir de sua existência e que se projetam em sua identidade-corpo. Ficamos atentos aos processos sociais, instituicionais, econômicos que se produzem a partir de sua vida. Ficamos atentos para o aparato que se constrói ao redor do sujeito (assujeitado). Mas também pode ser que olhamos para essa superfície complexa buscando os espaços e as trajetórias de improvisação e singularidade, ou, em como cada um faz uma vida para si, à sua maneira.

Descrevo extensivamente essa cartografia como maneira de ler coletivamente, de ler para meus olhos e para os seus. A cartografia ativa os pontos por onde passa. Descrevo num ímpeto de desarquivo (RAD). Faço isso porque, em primeiro lugar, me interessam muito essas imagens de complexidade, pela maneira como mostram ou revelam relações invisíveis (porém ativas) em vários processos materiais e ou subjetivos (( Estas relações/tensões invisíveis são como campos de subjetivação, campos do possível )).  Em segundo, ao mesmo tempo que permitem uma leitura que me anima, me sinto no intento de me aproximar delas, visto que “lê-las” se torna tarefa de esforço: meus olhos astigmáticos e minha dislexia migram rapidamente  milímetro a milímetro para a informação seguinte, perseguindo as linhas e refazendo a complexa conjunção de nomes, conceitos, símbolos, sentidos, funções. Desejo ler a complexidade na sua totalidade. Ler sem os antolhos de que falou Félix Guattari – Cavalo.

O tipo de flickering (vibração) que a cartografia de complexidade quer provocar é o exercício do olhar de não olhar só para uma coisa, mas ao olhar para essa coisa saber que ela é parte de uma multiplicidade de coisas. Como se fosse embaralhar esse próprio texto e rediagramá-lo a partir dos conceitos que ele mobiliza, para assim expor os campos em cruzamento nessas ideias sobre complexidade.”

bureau d etudes small

Símbolos catastróficos do desenvolvimento / formas de resistência nativas

Copiei essa frase do mapa feito pelo projeto Cartografia Crítica da Amazônia. (2)

A prática do mapeamento ou da cartografia (o fazer dos mapas de complexidade) tem se difundido como estratégia, proporcionando ao trabalho coletivo o desenvolvimento de formas de expressão que operam intervenções. Diversos movimentos auto-organizados da sociedade têm feito uso da cartografia para apresentar tanto a complexidade das relações que envolvem suas lutas como para mapear as forças em ação contra as quais resistem. Pela afirmação de que a cartografia não é representação encontramos uma provocação: a cartografia procura produzir efeitos no momento mesmo em que é feita, por isso ela tem o desafio de ser cartografia de intervenção. Ou seja, não representar não é um ato enunciativo, é um princípio da estratégia dessa prática, é colocar a cartografia ela mesma em estado de experimentação junto com as lutas, fazendo uma crítica às representações das lutas sociais e abrindo um espaço de composição. A pesquisa acadêmica não crítica, como exemplo, pode ficar no nível de uma representação e ativar poucas intervenções, a prática de um artista também. Como ativar, então, a representação, transformando-a em apresentação ou em produção?

Considerando que comecei esse texto falando de um ‘complexo do self’, uma pergunta que podemos fazer à cartografia como ferramenta é: de que maneira a cartografia é provocadora de processos de singularização ao mesmo tempo em que provoca uma análise crítica de um sistema econômico e político que é necessário enfrentar?

A prática da cartografia como construção da complexidade é, sem dúvida, também uma intervenção na forma de acessar e produzir conhecimento, o que pode nos levar a inflexionar a expressão “produção do conhecimento” para uma “prática do conhecimento”, como versão mais radical, mais autonomizante daquela primeira.  Assim, faz parte da construção de uma cartografia estabelecer seu objetivo (ou sua função), trabalhar o levantamento dos dados que constitui o conteúdo propriamente dito do mapa a ser criado, e conceber a forma que a cartografia vai tomar.  Faz parte da cartografia, portanto, incorporar a investigação ela mesma, visto que ao invés de trabalhar apenas com dados já coletados em pesquisas institucionais ou disponíveis na mídia, a investigação pode ser feita pelos próprios participantes. A cartografia pode então envolver as próprias pessoas a partir das quais a cartografia acontece e pode ser realizada com informações de ordem mais subjetiva, sendo os dados que a compõe coletados entre aqueles que a realizam, a partir de suas experiências de vida, de seus vocabulários, de suas lutas.  Nesse sentido a cartografia procura ser constitutiva do próprio cartógrafo-pesquisador, visto que a cartografia induz uma quebra na dicotomia pesquisador-pesquisado. Podemos centrar aqui, nesse lugar corpo-do-pesquisador(a)  a mudança de paradigma que a cartografia vem provocar. (1)

Ao aportar a composição do mundo como complexa, ao assumir a capacidade do desenho das forças de ação, o ‘investigar’ e ‘fazer o mundo’ se colocam então como operações que acontecem juntas. Ou seja, o conhecer e reivindicar do mundo que não passa apenas pela representação dele, mas pela criação dele. O trabalho da complexidade vai contra uma certa preguiça ou certo poder da ciência moderna, que procurava simplificar os processos em sistemas, em modelos (( Eu diria até: modelo que funciona no “colocar à prova”, refazer o que o anterior teria feito, e assim ver se dali algo mais de decifrava… Processo que só fomenta o funcionamento do capital competitivo, comparativo, segregador, produtor de certo/errado, bom/ruim, adequado/inadequado. É um modelo de processo ensino-aprendizado que faliu, não mais se sustenta )) .  Ao aportar a noção de complexidade abrimos caminho para pensar também a singularidade, desde a individualidade à coletividade. O processo de singuralização pode competir ao cartógrafo ele mesmo, assim como àqueles que participam da cartografia, identificados ou não com um processo de grupo.
(( Processo de ensino-aprendizado desejante de maior horizontalidade nas relações, estabelece novas formas de relações de poder, visto que procura uma radicalização das redes, é mais democrático, é um processo que abre para outro ou para outros processos. ))

Diversas complexidades têm sido cartografadas e diagramadas na atualidade por pesquisadores, nômades, ativistas, artistas, coletivos, agrupamentos efêmeros, entre outros, como maneira de lidar com essa trama/problema. Hoje em dia mapas, cartografias e diagramas, desenhos, planos táticos, se confundem e contaminam-se uns aos outros nos seus modos expressivos e nos seus modos de fazer. No vocabulário das práticas políticas e estéticas há uma pedagogia crítica que é inerente à construção dos mapas táticos, que é o  f a z e r dos mapas ele mesmo. Dessa maneira trabalham por exemplo o coletivo-dupla Iconoclasistas (Argentina) (3), os projetos mobilizados por Pablo de Soto, Mapping the commons (4), a rede LabsurLab na América Latina (5), Antena Mutante (Colômbia) (6) a própria dupla já citada Bureau D’Études (França), e muitos mais. Pelo trabalho desses grupos vemos como os agenciamentos do capital se expressam na perda dos direitos civis básicos, por exemplo, como no caso das remoções de moradia no Rio de Janeiro, ou por outro lado pela inventividade e pela ressignificação de espaços comuns como no projeto Mapping the Commons, de maneira  a fortalecer processos de resistência nos direitos de uso à cidade, resistinto aos processos de revitalização e transformação das cidades em cidades-mercadoria.

Capitalismo cognitivo

Não sei se a complexidade se opõe à ideia de simplicidade. São regimes diferentes, pode-se dizer. Um nem antecipa o outro. Nem pressupõe. Se temos uma ou mais linhas traçadas em um papel e uma quantidade x de informações conectadas por essas linhas diagramadas, temos uma cartografia que apesar de parecer simples, pode ser de razão complexa. Parece então que uma cartografia ou um diagrama podem ser simples mas tratarem de uma complexidade tal que possamos ir lendo nela níveis de imbricação de relações e fluxos, materiais e imateriais, visíveis e invisíveis, conhecidos e desconhecidos (( São como vias de mão dupla, vias de ida e vinda, relação de fluxos que não tem direção exata, relação correta, são pragmáticas, elas se cruzam em uma esfera tridimensional, em 3D, provocando que o sujeito se implique de tal forma ao desassossego, ao não dito, não compreendido, não nomeado, e assim procure reinventar conceitos, nomes, para aquilo que surge )) . Há nessa coisa, seja ela simples ou confusa, uma função de complexidade, uma função complexa. Assim é que o dia a dia de nossas vidas é tomado por uma série de ações simples, mas que escondem uma trama deveras complexa… (conecta com escrever) Olho o boleto impresso termicamente que seguro em minhas mãos ao retirar o extrato do banco, olho o recorte da embalagem do sanduíche que eu comprei, olho para meus sapatos que acredito serem meus, olho o sensor de presença que acende a luz na calçada de noite.

A complexidade pode ser um aparato conceitual para definir o modo de operar da economia  na era mais avançada do capitalismo contemporâneo, que se cola aos fluxos vitais, aliando-se à própria produção do desejo. Não por acaso, o trabalho da construção da complexidade surge no momento em que são provocados muitos cruzamentos entre disciplinas, entre campos do saber e, em que o estruturalismo como forma de constituição do mundo precisa ser decomposto, e outras formas mais rizomáticas precisam assumir seu espaço. Assim é proposto, por exemplo, que os micro agenciamentos sejam intervenções, ou atravessamentos, nos macro agenciamentos. Que a molecuralidade seja uma força que opera de outra maneira, diferente da majoritária molaridade. A partir de conceitos como esses se deseja re//dimensionar os fluxos vitais, a partir dos agenciamentos maquínicos, libertando-se das formas micro fascistóides, patriarcais, moralizantes, tecnicistas…

Uma das tarefas da cartografia de complexidade na atualidade é ser  uma ferramenta que trabalha  na decodificação dos fluxos invisíveis do capital, de modo a entender o que é que caracteriza o capital hoje, diferente de antes – antes do trabalho como imaterial, antes do capital como financeiro. Sua relação com o estado, com o poder representativo, e a forma como isso imprime modos de vida, direitos, exclusões, obrigações, privilégios, etc.

Segundo Franco Bifo Berardi, em The Uprising (O Levante), o que muda a partir do final da década de 70 na economia é a relação entre tempo e valor.  Ou seja, há uma perda de relação direta, ou material, entre tempo de trabalho e valoração, significando uma mudança na forma de agregar valor ao que é produzido, e da mesma forma ao lucro sobre a produção. A des-relação direta entre tempo de produção e produto (o que não significa o desaparecimento do trabalho por hora!), em que o trabalho já não é físico, muscular ou industrial, aumenta o contraste entre coisas materiais e signo, sendo o signo aquilo que mais se produz na atualidade. O signo adquire mais valor do que a matéria ela mesma. Essa produção Bifo chama de uma produção essencialmente semiótica. Ele pede que pensemos quanto tempo é necessário para produzir uma ideia, um produto, uma inovação. Bifo diz também que o capitalista não se preocupa se está produzindo frangos, livros ou carros. O que é importante para o capitalista é produzir lucro!

Se uma primeira fase do capitalismo seria essa da desracionalização entre a medida e a valoração, a segunda fase, ou uma fase moderna tardia, para Bifo é uma em que  a informação entra com tudo, o que ele chama de “abstração digital”. Nessa fase, há um aumento significativo do intercâmbio produtivo entre “máquinas informacionais” em lugar do e um campo dos corpos, de corpos ou vidas produtivos.  Nessa fase tardia ele diz que os corpos estão “cancelados” do campo da comunicação (direta, conjuntiva) e estão separados, ou “conectados” por informação. Nesse ponto ele vê uma reversão maior, ou uma perversão, eu diria.

“No sistema industrial anterior descrito por Marx, a finalidade da produção já era a valorização do capital, através da extração de lucro a partir do trabalho.  Mas, de maneira  a produzir valor, o capitalista ainda era obrigado a trocar coisas ‘úteis’ , ele era ainda obrigado a produzir carros, e livros e pão.

Quando o referente é cancelado, quando o lucro é feito possível pela mera circulação de dinheiro, a produção de carros, livros e pão se torna supérflua. A acumulação de valor abstrato é feita possível pela sujeição de seres humanos ao débito, e através da depredação de recursos existentes.  A destruição do mundo real começa com a emancipação da valorização da produção de coisas úteis, e da auto-replicação de valores no campo financeiro. A emancipação do valor do referente leva à destruição do mundo existente. Isso é o que acontece atualmente sob o que se chama de ‘crise financeira’, que não é de maneira alguma uma crise.”

Bifo fala de uma destruição do mundo também no sentido das relações sociais existentes. Ele ressalta que no capitalismo financeiro a violência se torna uma forma de controle. E a violência predatória é então uma que se coloca diretamente no corpo dos trabalhadores e trabalhadoras, não só como reflexo do recrudescimento da democracia –  na redução do direito à manifestação por exemplo – , mas também na violência sobre os processos vitais, na segmentarização da vida em detrimento do trabalho, e na perda de relações afetivas comunitárias e na impossibilidade da constituição redes de solidarização.

Então, no caminho do aumento da abstração, da abstração e do endividamento tomando conta dos processos vitais, ele identifica um aumento da informação que leva à produção de menos significado. Ou seja, há uma maior quantidade de signos circulando, mas eles têm menos referentes reais do que nunca. O aumento da circulação e o modo da circulação provocam a eliminação do significado e do sentido, que nos trazem a dúvida recorrente que pode tomar alguns de nós, ao tentarmos deter em nossas mãos o sentido da produtividade do que fazemos, seja na arte ou seja na política, de afinal, o que é que estamos fazendo ao produzir, ao trabalhar?

Assim a cartografia de complexidade pode servir para reverter o trabalho dos signos. Nesse sentido a cartografia pode trabalhar a singularização e a politização dos signos, de maneira a fazer  entender o que é que nos toma hoje, em que atmosfera/s vivemos nossos próprios fluxos produtivos, e de que espaços e modos de significação podemos estar querendo escapar, de maneira a apresentá-los, visualizá-los, relacioná-los. Os fluxos invisíveis do capital se colocam presentes em nossas vidas sem se descolar de cada uma de nossas operações cotidianas, ou dos nossos fluxos de desejo. Tomando a complexidade como ferramenta de estudo do capitalismo contemporâneo e ao mesmo tempo de resistência podemos perceber, então, que se o capitalismo avançou e complexificou as linhas, migrações, passagens, sobrecodificando e co-produzindo a vida, é inerente à própria vida uma tal rizomática que é, por sua vez, perseguida e significada pelo capitalismo.

É algo que nos coloca de volta na cartografia Complexo do Self, da dupla Bureau D’Études, por exemplo – que já realizou inúmeras outras cartografias dos fluxos econômicos e de significação correntes no capitalismo contemporâneo.  No Brasil o projeto Proprietários do Brasil (8) tem uma empreitada semelhante, abrindo as contas de grandes empresas brasileiras e de seus fluxos econômicos.

Há algo presente desses fluxos na pasta de dentes que eu uso pela manhã, no café que eu tomo para trabalhar, no emprego que eu não tenho, no transporte que eu uso, na reunião que eu fiz enquanto almoçava, no valor que cobro pelo meu trabalho, no cinema que eu não vou (porque não tenho tempo, ou porque não tenho dinheiro), no livro que eu compro, nos livros editados por amigos em uma pequena editora, na distribuidora de livros que entrega meu livro em casa, no candidato no qual eu voto, na empresa que o financiou, na água engarrafada que eu tomo, na água que falta na torneira, no travesseiro hipoalergênico sobre o qual descanso minha cabeça à noite…

Parece que hoje se torna difícil colocar em diagramas separados por um lado como são, como se expressam os fluxos vitais, e por outro como são, como se expressam os fluxos do capital e do estado. O estado se torna o instrumento regulador de uma “aplicação” contratuada com o sistema produtivo – a aplicação de um sistema de produção em nossas vidas, não da democracia, mas de instrumentos de controle. Essa confusão/questão pode ser exemplificada em como o agenciamento do desejo nos processos criativos na atualidade é re-significado pela forma de valoração da economia criativa, como novo agenciamento social produtivo da criação. O que diferencia a economia criativa da criação ela mesma???

 

Representação, apresentação e criação de mundo

Uma das principais posições que a cartografia pretende discutir é quem e como detém ferramentas de representação do mundo, pensando que é a vida que segue à frente, e as forças e os fluxos do capital que vem perseguindo a primeira. É importante ressaltar que quando dizemos representação estamos já em um regime específico. Será esse um regime que se alavanca na manutenção do poder? Podemos pensar naquele mapa do mundo clássico dos tempos da escola, e depois naquele outro, distorcido, que procura a representação “real” do território. Para a cartografia crítica não há neutralidade, e portanto representar ou apresentar um território dependem de uma certa ética da apresentação como criação de mundo, como operação cognitiva.

Qualquer mapa não é subjugação, contudo, ao mundo da representação. A representação ela mesma como ferramenta de produção de verdade torna-se  a p r e s e n t a ç ã o   na busca de representações do território-mundo que insurgem das lutas urbanas, das lutas rurais dos movimentos campesinos e das lutas dos territórios indígenas. A defesa da terra, expressa na representação/apresentação do território torna-se uma questão crucial na atualidade, visto que a  r e m a r c a ç ã o   de terra no caso indígena é a garantia da manutenção do direito de permanência na sua própria terra, lugar que conhecem com seus corpos e seus rituais, e que lhes é deveras constitutivo.

 

Clínica e trandisciplinaridade

Num dos caminhos para pensar a complexidade Eduardo Passos (9) aborda a relação entre complexidade, a transdisciplinariedade e a produção de subjtividade.  A produção de subjetividade é toda uma trama de conceitos proposta a partir de diversos campos do saber e também a partir do que se conhece por filosofia da diferença, tendo surgido da mistura entre formas de pensar que extravasam os estudos da psiquiatria e da psicologia, e que se contaminam de biologismos e de formas de afetar moleculares. Como conceito, pensa o sujeito como construção constante (não cumulativa), não rígida, mas como corpo-no-mundo. Como uma complexa rede constitutiva que sempre ultrapassa sua unidade individual. Por isso pensada a partir da noção de processo, porque forjado e ativo no arranjo de forças ((E de encontros e desencontros)) .  A complexidade da qual fala Passos é um aporte contemporâneo da ciência que é diferente da redutibilidade da ciência moderna, e portanto da compreensão mesma de sujeito. “A história natural da natureza desenha complexidades”, ele escreve. A transdisciplinaridade é, por sua vez, a proposta de pensar a ação de saberes variados, que nos força a atravessar planos desconhecidos.

Para abordar a complexidade Passos estabelece um pensamento que se produz no atravessamento de disciplinas e não no interior delas.  Trabalhando a partir do campo da psicologia social, Passos propõe uma ‘clínica transdisciplinar’, que  propõe discutir contra a noção de problema que sugere à busca de soluções, tomando a criação de problemas como um método da clínica. Associando  duas modalidades cognitivas  {ciência+inteligência} e {filosofia+intuição} o que pode surgir nesse modelo como clínica que pensa processo é, então, não a solução de problemas, mas a desmontagem deles e também a invenção de novos problemas. A clínica assim está ligada a uma capacidade de criação, que não é referente às sistematizações produzidas pela psicanálise, ainda que não se distancie dos seus estudos, mas procura inventar novos pontos de vista (e de vida…) (( Idéia de clínica do/no social, a clínica que transpassa os espaços privados, que atravessa no subjetivo e vai além, no individual, uma clínica que traduz a subjetividade da cultura, que está naquele indivíduo,  uma clínica compreende um sujeito inserido em uma relação micro e macropolítica, e que ativa o sujeito para a busca de seus devires, de seus processos enquanto sujeito desejante… Clínica que provoca desconforto, desconstrução…para uma reinvenção. Neste sentido não é uma clínica somente de respostas, que procura amenizar angústias ou desencontros, ela provoca com que este desencontro traga à luz/consciência os atos do sujeito enquanto processos de subjetivação, em que ele/ela não é vítima, é ator/atriz. ))

Isso me faz lembrar de um texto de Félix Guattari em que ele narra a sua relação com um paciente, em que ele sugere ao paciente que deixe de viver na casa dos pais para experimentar novas relações sociais, libertando-se das relações familiais que o aprisionavam… Guattari ressalta que essa sugestão e a coleta de dinheiro para que ele pudesse financiar alguns meses em sua nova casa escapavam muito dos limites éticos da relação psiquiatra–paciente. É um episódio singular…

A clínica transdisciplinar, à sua maneira, provoca novas complexificações, novos caminhos para as identidades, em seus processos de diferenciação e acoplamento, ou de composição social.  Desenha mapas invisíveis, mapas de invenção.

 

Singular / Comum

Volto para aquela minha pergunta formulada anteriormente: de que maneira a cartografia é provocadora de processos de singularização ao mesmo tempo em que provoca uma análise crítica de um sistema econômico e político que é necessário enfrentar? Me parece que essa pergunta pode ser pensada em uma dobra, ou em um encontro: na relação singularidade e comum, sendo a primeira a capacidade de criação de caminhos autônomos, e a segunda a capacidade desses caminhos de serem a construção de um comum, que extravasa a individualidade e endereça um espaço de produtividade maior, de uma ética comum. Ainda que pareça que a complexidade está centrada nos processos que envolvem a unidade de um sujeito, suas subjetivações, seus movimentos, seus pontos de vista, podemos pensar a cartografia de complexidade como uma ferramenta social. Ou será uma cartografia que se apropria de uma psiquiatria materialista – que se trata de uma dimensão de análise do desejo, de seus movimentos, considerando que eles são produzidos socialmente, e portanto não isoláveis no sujeito (retirando-o da dicotomia de sujeito ou culpado…), mas comuns,  ordinários…

Em uma perspectiva, podemos pensar que a capacidade de se mover no mundo vem pelo conhecimento do mundo, assim sendo, uma pessoa só se moveria por aqueles territórios que já conhece. Portanto, uma pessoa só se moveria pela capacidade de pertencer às significações já correntes (falar uma língua, por exemplo). Pois bem, mas ninguém fala uma língua sem inventá-la, ao menos um pouquinho.

Na perspectiva das singularidades e sua tensão com o comum, há uma relação intrínseca entre os a cognição, os processos coletivos das lutas, grupos e movimetos, seus vocabulários, a língua e a linguagem.

Os vocabulários, a língua e a linguagem podem ser instrumento reguladores dos processos de significação, mas na cartografia das complexidades provamos como elas também podem ser esgarçadas no processo de criação e na política. A língua e a linguagem são constituídas também por elementos extra-linguísticos e por elementos extra-cognitivos, ou seja, elas interagem com e também excedem os vocabulários. Na perspectiva da singularidade, operar a construção de uma cartografia de complexidade pode ser, portanto, inventar novos caminhos para si, como tenho argumentado ao longo desse texto.

As (des)medidas de mundo, entre o finito e infinito no singular-comum, parecem ser uma expressão das bordas não rígidas da língua e da linguagem. Inventamos nossas expressões, mudamos aquelas que não nos cabem, recuperamos termos de outros espaços. Na perspectiva da singularidade-comum, parece que não nos movemos apenas por territórios que conhecemos plenamente, nem apenas por territórios que conseguimos representar. Acredito que nos movemos por territórios que nos deixam deveras inseguros, (( Territórios estes que estão inseridos no nosso ser, que estão nas ferramentas do olhar e do ver, mas que são poucos utilizados, mas quando acionados entram em funcionamento. São territórios que fizeram parte da construção de nosso self, mas que foram deixados à revelia, pois nunca foram “solicitados”…, territórios de infinito conhecimento)) visto que sabemos que nosso traçado vai constituindo imprevistos, e dessa forma é provável que vamos produzindo peças inacabadas, protótipos, pistas, rascunhos, diagramas, o que eu chamaria agora de exercícios de singularização na complexidade do mundo.

Na perpectiva do comum, a cartografia da complexidade desejar ir provocando bifurcações, no sentido de provocar encontros, de provocar atrito às representações do mundo, e de provocar outros mundos. Na perspectiva do comum a produção de uma cartografia de complexidade é a construção de signos junto da construção de mundos, em que não estamos isolados ou imersos num caos (possivelmente imobilizador), mas em que nos “ordenamos” singularmente no caos ou tomamos parte em diversas complexidades. Nos movemos por ali, e por aqui, e por ali… Cartografia produzida a partir de vários pontos de vida diferentes. A construção do comum, contudo, não é um todo homogêneo, mas um todo diverso, repleto de singularidades.  O comum é a própria construção de alternativas, alternativas que se desenvolvem junto da vida, dos caminhos da vida, da ética das lutas, da construção de territórios e sentidos não fixados, pois multiplicam mais as linhas das cartografias dadas, e apagam, ao mesmo tempo, outras linhas. (sair)  

Evidente que algo complexo pode ser difícil. Evidente… A complexidade é expressão que me faz pensar nas equações de química que eu não conseguia resolver. Assim sendo, pensar a composição do mundo no plano de uma complexidade me faz assumir – claro – que é difícil é se mover no mundo! Mas que não há nada mais prazeiroso do que quando nos movemos junto de alguém… E, ao inventar caminhos, inventar indiomas.

 

Notas

(1) http://bureaudetudes.org/

(2) Cartografia crítica da Amazônia. Em: http://dossie.comumlab.org/
(3) Dois trabalhos são referência para essa espécie de metodologia que descrevo aqui, um o ‘Manual de Mapeo Colectivo”, 2013, do Iconoclasistas (disponível aqui  http://desarquivo.org/node/1679 ), e outro o livro ‘Pistas do Método da Cartografia’, 2009,  (disponível aqui http://desarquivo.org/node/1593).
(4) Mapping the Commons http://mappingthecommons.net/pt/mondo/
(5) Red LabsurLab https://labsurlab.org/
(6) Antena Mutante http://antenamutante.net/
(8) Proprietários do Brasil www.proprietariosdobrasil.org.br/

(9) Eduardo Passos. Complexidade, transdisciplinariedade e produção de subjetividade. Em: www.slab.uff.br/index.php/producao/8-textos/46-eduardopassostextos

 

Referências

Félix Guattari e Suely Rolnik (1986) Micropolítica – Cartografias Do Desejo,  Petrópolis: Vozes

Félix Guattari (1992) Caosmose: Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Ed. 34.

Franco Bifo Berardi. (2012) The uprising: on poetry and finance. Los Angeles/London: Semiotext(e)/MIT Press.

Tania Maria Fonseca Galli e Luiz Arthur Costa. Da Diversidade: Uma Definição do Conceito de Subjetividade. Em: Revista Interamericana de Psicología/Interamerican Journal of Psychology – 2008, Vol. 42, Num. 3 pp. 513-519

 

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Cartografias da Ditadura

// Tiago Régis

 

Toda saudade é a presença 
da ausência de alguém 
de algum lugar
de algo enfim.

Gilberto Gil

 

A memória é uma ilha de edição, uma vez disse Waly Salomão. Com o auxílio deste maquinário, procede-se a uma edição não-linear, múltiplas operações: inserts, cortes, rearranjos, dentre outros mais.
Oportuno e bastante precioso o ensinamento do poeta, dado o contexto das “descomemorações” do cinquentenário do golpe de 1964. (1)  Levando em consideração, portanto, a memória como uma dimensão fundamental para a reconstrução da história de períodos autoritários, emerge em fins de 2013 na cena política fluminense um trabalho de mapeamento de lugares de memória relacionados tanto à resistência quanto à repressão no estado intitulado Cartografias da Ditadura. (2) Trata-se de uma proposta de construção coletiva e colaborativa, de caráter permanente e processual, de uma plataforma virtual aberta às contribuições de pesquisadores, ativistas, ex-presos políticos, bem como de qualquer pessoa que tenha interesse ou informações pertinentes à temática em pauta.
Ao entender as memórias como objeto de conflitos e lutas, nas quais os participantes envolvidos neste campo de disputas estão permanentemente elaborando novos sentidos, esta ação objetiva contribuir para um processo de memorialização no estado do Rio de Janeiro, evidenciando a luta dos movimentos sociais pela disputa concreta e simbólica dos espaços da cidade. A proposta é reapresentar a memória de maneira que seja reconhecida a necessidade de mudança no âmbito das políticas públicas, bem como colocar em pauta os diferentes motivos que temos para recordar.
*

Tendo em vista a produção cartográfica como uma ferramenta de estratégica importância para a disputa de territórios, a ação Cartografias da Ditadura tem por escopo fazer com que o mapa deixe de ser apenas um registro gráfico de representação para se transformar em um espaço de expressão de experiências coletivas, de encontros e trocas. O intuito aqui é sobrepor outras informações e grifar outros significados no mapa para assim possibilitar a produção de outras camadas de sentido. Interferir neste mapa é refazer uma outra cidade, a qual passa a não ter mais sua história escrita no mapa de contornos bem delineados.
Evidenciando cartograficamente as práticas da repressão ditatorial, bem como os atos de resistência àquele regime, esboça-se, aos poucos, o mapa de um Rio de Janeiro que desmancha a pálida imagética construída pelos discursos hegemônicos de poder. Trata-se de produzir outros sentidos acerca de lugares do passado ainda hoje muito presentes através do trabalho da memória, o qual se dá no imbricamento das biografias individuais e da história coletiva.
Reunindo os mais diversos materiais produzidos no campo temático Memória, Verdade e Justiça, esta cartografia pretende se constituir como uma ferramenta de valor pedagógico que objetiva fomentar a conexão entre as lutas e as violações do passado e do presente, bem como transmitir para as gerações de hoje e para as próximas o absurdo da violência institucional.
Considerando essa vertente coletiva de produção de conhecimento, Cartografias da Ditadura quer afirmar, como disse o crítico literário suíço Jean Starobinski em um texto concebido como discurso de agradecimento pelo Prêmio Europeu do Ensaio Charles Veillon de 1982, o “vivo interesse que sentimos diante de determinado objeto do passado, para confrontá-lo com nosso presente, no qual não estamos sozinhos, no qual não queremos ficar sozinhos.”. Afirmar, sobretudo, que as ausências deliberadamente soterradas e esquecidas da memória oficial se fazem mais do que nunca presentes!

Notas

(1) O golpe de 1964 mergulhou o país em uma ditadura de caráter civil, empresarial e militar que só terminou formalmente em 1985.

(2) Cartografias da Ditadura é uma ação do projeto de pesquisa e intervenção no campo temático Memória, Verdade e Justiça [Projeto MVJ] executado pelo ISER, organização de direitos humanos sediada na cidade do Rio de Janeiro. Em seu início [fins de 2013 e no início de 2014] foram realizados alguns encontros presenciais de interlocução com parceiros para formulação conceitual e tecnológica da plataforma. Em 26 de março de 2014 foi realizada uma mesa de debate que marcou o lançamento da plataforma. Desde então, a equipe responsável tem realizado algumas intervenções [parcerias com grupos/pessoas para produção de conteúdo + oficina em escola + concessão de entrevistas + participação em atividade da Campanha Ocupa DOPS >> ver mais sobre  a campanha aqui <http://ocupa-dops.blogspot.com.br/>] para difusão desta ação cartográfica. Para contatos com a equipe, escrever para
Referências
SALOMÃO, Waly. Poesia total. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
STAROBINSKI, Jean. É possível definir o ensaio? Tradução de André Telles. Revista Serrote, Rio
de Janeiro, n. 10, p. 43-61, mar. 2012.

 

 vocabpol em 20122014 cartografia, conceito, conhecimento, diagrama

Conspiração

// por André Mesquita

Em grupo, ______________* arquitetam juntos as tramas secretas do mundo. Lançam murmúrios na rede. Desenham associações obscuras. Jogam com complôs e boatos. Teorias conspiratórias passam por regimes de elucubração coletiva, mistificações, sinais de paranóia, estados de cinismo. É possível revelar estruturas de poder autoritário, de controle ou de governança sem basear-se em especulações, falsos testemunhos e opiniões delirantes? Conspirações trabalham com incertezas, desvios e falhas de informação. Algo está sempre escondido. Tentam provar aquilo que não sabemos, ou aquilo que deveríamos saber. As provas se encaixam? Que pedaços de histórias podem juntas nos mostrar a verdade?

Instituições burocráticas e militares do Estado são responsáveis por manter, reservar e classificar como secretos conhecimentos “ameaçadores”. O “poder concentrado do segredo” é algo que Elias Canetti apontou como característico dos regimes ditatoriais. (1) Hoje, nos governos ditos “democráticos”, organismos normativos, agências de segurança e sistemas de vigilância usam informações confidenciais para controlar e dominar nações. Tudo o que uma teoria da conspiração quer é não explicar, mas produzir suspeitas para construir suas “verdades”. A ansiedade de querer conhecer o que não se sabe, de procurar enxergar o que está escondido nas sombras, ou até mesmo diante de nossos olhos, aponta para uma busca incessante pela transparência.

A ideia de transparência sobre um segredo que precisa ser trazido à público só evidencia o paradoxo de dizer que tudo está claro quando, na verdade, existe algo a ser resguardado. Somos tomados pela incerteza de não saber a verdade que se esconde por trás das cortinas, pois quanto mais se esconde, mais inegável torna-se a prova de que a informação é administrada e regulada. Evocar a “presença da ausência”, como fizeram as madres da Praça de Maio para comprovar as torturas e os desaparecimentos durante a última ditadura militar na Argentina, ou a recente pergunta “onde está o Amarildo?”, nos convocam publicamente a pensar que nem sempre a verdade que se encoberta pode ser enterrada por intimidações e sintomas de amnésia.

Teorias conspiratórias nunca são transparentes e lógicas. Para seus perpetradores, sempre existirá algo a mais no mundo que precisa ser provado. A desconfiança cresce. A intriga torna-se ilimitada. Expor um segredo não nos mostra a presença de um mundo “clandestino” ou um poder “paralelo” agindo em concomitância com o real. Ao invés disso, tal exposição enfatiza que esse mundo e esse poder atuam dentro de um espaço de disputa onde as nossas relações sociais cotidianas são construídas. O que mais falta à conspiração são pistas de suas teses e um sentido claro de suas ligações. Como provar associações sem cair nas falácias e armações da grande imprensa, ou nos memes disparados nas redes sociais? Criminalizar movimentos pode passar pelo viés conspiratório da acusação sem provas concretas.

É da natureza conspiratória falsear ou limitar informações. A internet é um grande repositório de teorias conspiratórias exóticas e fantasiosas, com páginas cheias de detalhes sobre o governo totalitário dos illuminati, sobre a presença de extraterrestres entre nós, sobre os segredos da morte de líderes políticos e religiosos, ou sobre o perigo de um controle mundial pelos fundamentalistas religiosos e grupos extremistas. Fatos, profecias e evidências confusas querem provar a verdade que não sabemos. Na rede, tudo parece estar sendo revelado, dando-nos a falsa sensação de que agora sabemos o que antes não conhecíamos. No entanto, o aumento da quantidade de informação circulando na web não significa maior clareza de entendimento.

No início dos anos 1980, Fredric Jameson (2) já havia apontado em sua crítica ao pós-modernismo a urgência de se produzir uma “estética de mapeamento cognitivo” como algo que nos ajudasse a cartografar os processos de integração global. Jameson também se referiu à necessidade de produzir uma arte política que conseguisse representar o espaço transnacional do capitalismo para que pudéssemos entender os nossos posicionamentos individuais, ajudando-nos a recuperar a capacidade de agir e lutar, então neutralizada pela nossa confusão espacial e social. Quase trinta anos depois, uma pergunta ainda deve ser feita: podemos articular a totalidade de um sistema social sem cair em uma análise conspiratória? Para Jameson, a conspiração tenta representar algo que não pode ser representável por meio de uma analogia do mundo real, simplificando estruturas de poder e distorcendo sistemas sociais. O fato de hoje tudo nos parecer conectado não significa que conseguimos desvendar a rede completa de uma trama.

 

* Inclua nesse espaço nomes de corporações ou organizações em conluio com atores influentes formando alianças ocultas e sigilosas.
Notas

(1) CANETTI, Elias. Massa e Poder. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

(2) Jameson, Fredric. The geopolitical aesthetic: cinema and space in the world system. Bloomington/Londres: Indiana University Press and BFI, 1992.

 vocabpol em 19122014 conceito, contexto, entradas, índice

Hidrosolidariedade

// por Giseli Vasconcelos

Neol. 1) Solidariedade solúvel: a) Oportunidade de sistematizar as ações realizadas e apresentar o resultado daquilo que pensamos e executamos b) Processo de colaborações e associações entre artistas ou agitadores culturais c) Encontros d) Parcerias e) Envolvimento. (1)

 

Localizado no extremo norte do país, entre os estados do Pará e Amapá, o delta recebe águas de centenas de rios menores transbordando o Rio Amazonas em direção ao oceano Atlântico. É nessa desembocadura que se encontra o fenômeno da POROROCA (o tupi “poro’rog” = ‘estrondar’), quando as águas oceânicas se elevam e invadem a foz do rio num confronto que promove o surgimento de grandes ondas, mais evidente nas mudanças de fase da lua, principalmente Lua Cheia e Nova.

A solidariedade solúvel

A produção da rede aparelho aconteceu entre encontros que por vezes chamamos de reuniões e que transbordavam em ações de rua. Para cada ação proposta se constituía uma pequena rede de relações afetivas que se relacionavam às redes maiores, através dos meios digitais ou não, como: associação de bairro, terreiros, botecos, rádios comunitárias, listas de discussão e quilombos. Ao longo do tempo, espalhados entre tantos esporos, fomos coletivizando pela cidade debates em torno da liberdade de criação, expressão e ação como direito comum e público. Os assuntos amplificados discorreram sobre a pirataria, economia informal, a autonomia na produção artística e cultural e principalmente, cultura livre. Num devir impregnado pelo mote “o que ocorrer…”, experimentávamos uma composição poética política que tentava reunir fragmentos de tudo e todos entre textos, resenhas, música, vinhetas, entrevistas e cineclubismo de maneira fluida e atemporal. Estávamos na intercessão com os nascidos e crescidos ao Norte e entre viajantes, convivendo nesse tempo-espaço de comunhão em meio ao Delta do Amazonas – esse imenso grandes lábios molhados pelos rios Amazonas e Tocantins-Araguaia. Durante todo o tempo em que estivemos juntos, a hidrosolidariedade foi incorporada de modo orgânico à nossa fala, entre notas e trocas de e-mails sem muito se preocupar com as origens ou contextualização do termo.

Há-braços

Arthur Leandro (2) que traz do Rés-do-chão (3) o conceito de hidrosolidariedade para dentro do [aparelho]-:. Em maio de 2009, respondendo a uma entrevista proposta por Denis Burgierman e encaminhada para a lista de discussão CORO, Arthur sinaliza exatamente quando o termo se incorpora às nossas ações:

Re: [CORO] Re: entrevista coletiva com um coletivo de coletivos – pergunta 1
https://br.groups.yahoo.com/neo/groups/corocoletivo/conversations/messages/11280
Date: Fri, 1 May 2009

Por que “coletivo”? O que esse tipo de organização permite que o trabalho individual ou os grupos tradicionais – empresa, cooperativa, ong – não permitem? Enfim, o que vocês querem com esse negócio de coletivo, diabos?

Eu vejo diferenças entre hierarquia e liderança, mas a identificação das lideranças pelas relações sociais que nos circundam – e não conseguem nos circunscrever na hierarquia de poder…, como desejam -, faz com que nos identifiquem com palavras como “coordenador”, ‘chefe’, ‘manda-chuva’… Nós resolvemos por aqui com a auto-identificação como ‘agitadores’…, adjetivo também usado pelos que nos olham ‘de fora’, mas com a multiplicidade de interpretação que nos interessa.

daí o ‘agitador chefe’ vai depender muito de qual é o universo e de onde vem a identificação, por exemplo, no micro-universo do campus do Guamá da UFPA… Para a faculdade artes o chefe sou eu, mas nos bloco de ciências humanas já foram Luis e Angelo e hoje talvez seja a Bruna… No micro universo das culturas afro-amazônidas: nas comunidades de terreiro sou eu…, no hip-hop é a Yá Maré ou Perna, e no tec nobrega é a Giseli… Na comunicação comunitária é o Angelo, pros artistas de rua é o Rodrigo, na ilha de Colares e na baía do sol é o Fernando, pro pessoal das cênicas talvez já seja o Pedro… e por aí vai… é rede de relações… quem é o coordenador/chefe?

pra mim interessam as trocas, eu também atuo em outros coletivos e/ou grupos de outras cidades onde morei, como o Urucum em Macapá; e em outras formas de des-organização como o Rés do Chão, no RJ, ou em grupos virtuais como este coro que diverge tanto que nem faz coro…. Dai aqui na rede [aparelho]-: sou eu que trago do Rés o conceito da hidrosolidariedade…. E nossa primeira ação realmente coletiva e colaborativa se chamava “Potoca free-style, ou cineclube hidrosolidário, ou projeção de filmes para Yemanjá no dia 2 de fevereiro, ou esperando um novo nome pra batizar…”; também sou eu quem impregna a rede de informações das artes visuais…, mas eu não sabia (ou não sei) n ada de só-fi-tu-ér livre, e aprendo muito disso com a proximidade com a Yá Maré, como de edição de som com o Angelo, de Mônadas com a Bruna e por ai vai, é rede de relações….

ELEMENTOS DE UM RIO
fluência, afluência, confluência, leito, margem, montante, nascente, foz.

Com o passar do tempo, na tentativa em rescrever esses processos, percebemos um conjunto de significações potentes por detrás desse vocábulo que vai muito além da nossa micropolítica: a palavra desvela intrinsecamente nosso comportamento grupal, tribal e tropical-amazônico carregados de uma alegoria fundada num horizonte plano, infinito e líquido – somos sinônimos de água procedente de qualquer secreção corporal (o suor, as lágrimas, a baba…), do suco das frutas, do líquido que escorre das árvores, da bebedeira e do rastros espumantes das embarcações. A palavra também simbolicamente remete nossa história entre hidrovias, furos e recortes de rios, elaborados por gente em civilizações provavelmente antes da descoberta da América. E ainda, esses fluxos de passagem, relatados entre tantas viagens, desvelaram um imaginário de olhares mais de longe que de perto exauridos entre agonia e empatia.

Oxum

Oxum: orixá feminino que reina o amor, a intimidade, a beleza, a riqueza e a diplomacia sobre a água doce dos rios.

Proposta de com-viver

Em 2005, Arthur Leandro apresenta os Reslatim, uma série de relatos de viagem que culminaram nos registros de um ritual-de-passagem durante sua residência ao sul da França. Estávamos trabalhando juntos na seleção de parte desse diário (compartilhado pela lista de discussão do Rés-do-chão) para a publicação Digitofagia (4). Os Reslatim expõem caprichosamente a tensão de uma experiência individual de um amazônida diante da adversidade e desentendimento travados noutra cultura. O norte hemisférico, pautado na homogeneização de valores e comunicação padronizando conduta, sentimento, imaginação e linguagem.

O autor contrariado com o comportamento europeu, se desdobra por vezes na reflexão sobre o uso comum da expressão “desolee” (o que no português diríamos “sinto” e no inglês é o equivalente ao “sorry”) para discorrer sobre um modo coletivo ausente de solidariedade para com o outro: “O desolee é um vazio semântico, é o contrário de guerra que lança a palavra e seu significado ao encontro de novas circunstâncias, vejo o desoles como a atitude da muralha de comunicação. é muralha do eu para com a comunidade com que se com-vive.

Diante da nossa compreensão amazônida, o outro é afluente de vida. O outro é o que corre ao teu lado, atravessa e trespassa e cruza, como um rio. Nossos redários se formam por fruição, experimentando um curso de água, e desvendando as tecnologias possíveis como fora a canoa para a cabanagem e o regatão, para o jornal e televisão. E assim também, como na pororoca, a sobrevivência é um encontro estrondoso de movimento brusco que provoca na diversidade, as ideias, os desentendimentos, as redescobertas e outras linguagens.

Nesse diário de memórias, carregado de um comportamento tropical-úmido percebemos o clamor por trocas solidárias, fluidas e frouxas desmensurável, quase análogo ao nascimento de um rio buscando seu curso: (…) e talvez eu seja muito radical, mas quero continuar a viver na hidrosolidariedade e na hidrogenerosidade que faz a gente trabalhar junto por um projeto coletivo que ninguém sabe o que é. como a liberdade, mas que tem a participação de toda comunidade, com liberdade. Juntos!!!

Portanto, esse relacionar-se íntimo presente nessa terra do meio tropical, espelha-se num tempo que pára com as chuvas, que segue entre o aguaceiro penetrando nos solos para assim encontrar espaços vazios entres brechas e furos até chegar a um outro corpo d’água. E como num movimento solidário, um rio maior precisa se hidratar recebendo águas de rios menores, e então estes se tornam seus afluentes num fluir que compartilha o que não fica, que vai e escorre.

Estrela do Norte

PARÁ = RIO GRANDE. Do Brasil, sentinela do Norte.

Esse rio é minha rua

A imagem que se tem a respeito da Amazônia é formada por um imaginário por vezes edênico e satânico representada arbitrariamente por quem a olha de fora. Esta representação perpetuada pelas mídias, também mimetiza esse imaginário entre os fatos, denominando como único o que é diverso, e impondo uma identidade única a uma pluralidade de culturas, de naturezas e de sociedades.

A imaginação que normalmente se tem da região é, quase sempre, “mais uma imagem SOBRE a região do que DA região” como produto resultante de um contexto marcado por relações de poder. De uma geografia diversa, da nascente do extenso Rio Amazonas até a sua foz, a visão que temos do extremo norte é um rio de horizonte-infinito de onde muito de nossa poesia se referencia. De Belém vive-se conflitos de uma cidade cosmopolita que não sabe se é uma pequena metrópole ou uma grande província. Belém é um constelário de ilhas que representam 69% da superfície da cidade, nasceu por assim dizer sob o signo insular. É uma cidade portuária que recebe pessoas de todo o mundo sendo um ponto de partida de riquezas ancestrais. É onde o arcaico e moderno coabitam o mesmo espaço, a vanguarda e retaguarda com-vivem, o sagrado e o profano não se separam.

Di-versos

“Quanto a este mundo de águas é o que não se imagina. A gente pode ler toda a literatura provocada por ele e ver todas as fotografias que ele revelou, se não viu, não pode perceber o que é.” (5)
Enquanto reunia notas para este verbete deparei-me com um pequeno artigo “um grau ao sul” de Maria Christina que rememora a carta de Mário de Andrade encaminhada a Manoel Bandeira datada em junho de 1927. Esta carta denominada deliciosamente “Por esse mundo de águas” discorre sobre desejo sexual e arrebatamento em torno de suas experiências em Belém do Pará. Ela faz parte de uma série de registros entre fotografias, cartas e notas que Mário de Andrade manteve durante sua viagem à Amazônia, que dizia ser um diário despretensioso do que foi a viagem mais importante na vida do autor.

Neste relato que Mário denominou de “O turista aprendiz: viagens pelo Amazonas até o Peru pelo Madeira até a Bolívia e por Marajó até dizer chega!” se percebe numa espécie de adesão à civilização tropical, descoberta sentimental intelectual de sua interpretação de um Brasil numa concepção plural de civilização mais sincrética que sintética. A viagem começa no início de maio e termina em meados de agosto de 1927. Já nos 10 primeiros dias o autor anuncia o espanto do seu olhar europeizado diante da desmesura e singularidade do mundo amazônico: “Há uma espécie de sensação fincada da insuficiência, da sarapintarão que me estraga todo o europeu cinzento e bem arranjinho que ainda tenho dentro de mim (…)”.

A experiência de viagem de Mário de Andrade na região mesmo que curta for fundamental para sua meditação sobre uma civilização tropical. É durante esta viagem que o autor complementa as notas para versão de Macunaíma (redigido um ano antes mas totalmente aberto para inserções e colagem, lançado no ano seguinte), esboça a narrativa Balança, Trombeta e Battleship ou o descobrimento da alma, além de experimentar a fotografia moderna.

Assim como nos Reslatim, as cartas e notas de Mário sobre a Amazônia sempre marcam de modo contumaz e por vezes irônico a ótica européia tecnicista, marcada pela hegemonia de um pensamento sintético e científico. Mesmo em tempo espaço diferentes, dum campo de visão deslocado (um amazônida na Europa versus um paulista europeu na Amazônia), esses relatos vem carregados de uma tensão que misturam a paisagem com estados afetivos que direcionam a escrita e o pensamento, propondo quase uma oração mental que nos ajuda a seguir profundamente sobre esse horizonte fluido.

Discorrer sobre um vocábulo que confirma-nos em ação é trazer à margem um translado de raízes e rotas que nos representam traduzindo signos e significados que nos semeiam. A hidrosolidariedade não deixa de ser uma utopia amazônica – quando pretendemos seguir um caminho solidário, frouxo e volúvel seguindo a natureza do comportamento das águas, desconsiderando o contágio e a assimilação como caminho único de civilização em direção ao progresso, sucesso e desenvolvimento. A hidrosolidariedade é a intenção – quando muitos juntos se dispõem como fluidos – correndo como a água, vagando a trocar experiências e conteúdos por uma re-produção, distribuição e reciclagem de tudo, aos VIVOS.

Ursa Maior

Ursa Maior

Dizem que um professor naturalmente alemão andou falando por aí por causa da perna só da Ursa Maior que ela é o saci… Não é não! Saci inda pára neste mundo espalhando fogueira e traçando crina de bagual… A Ursa Maior é Macunaíma. É mesmo o herói capenga que de tanto penar na terra sem saúde e com muita saúva, se aborreceu de tudo, foi-se embora e banza solitário no campo vasto do céu. (Macunaíma – Capítulo XVII: Ursa Maior)
Notas:

(1) Hidrosolidariedade faz parte do glossário sugerido para o projeto de pesquisa [Nu]-: aparelho: Relatos sobre coletivos, arte e colaboração baseado em entrevistas e ações envolvendo agitadores da rede aparelho, em Belém do Pará. A definição é proposta por Bruna Suelen, em sua tese de mestrado em artes na Universidade Federal do Pará.

(2) Arthur Leandro ou Etetuba (homem-forte) é pai-de-santo, guerrilheiro-artista, amigo-amado, pensador e professor na Universidade Federal do Pará.

(3) Rés-do-chão, foi um espaço autônomo na casa do artista Edson Barrus que promovia vivências, criação e discussão em arte. O Rés produziu uma série de publicações independentes além de experimentações entre performances e vídeos, compartilhada entre listas de discussã o, transmissão online, exibições etc.

(4) ROSAS, Ricardo; VASCONCELOS, Giseli (Org.). Net_Cultura 1.0: Digitofagia. São Paulo: Radical Livros, 2006.

(5) ANDRADE, Mário de. Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira, op. cit., p. 346.

(6) Relato crítico de Maria Christina para 31ª Bienal de São Paulo, acesso disponível em: http://www.31bienal.org.br/pt/post/634

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