Conspiração

// por André Mesquita

Em grupo, ______________* arquitetam juntos as tramas secretas do mundo. Lançam murmúrios na rede. Desenham associações obscuras. Jogam com complôs e boatos. Teorias conspiratórias passam por regimes de elucubração coletiva, mistificações, sinais de paranóia, estados de cinismo. É possível revelar estruturas de poder autoritário, de controle ou de governança sem basear-se em especulações, falsos testemunhos e opiniões delirantes? Conspirações trabalham com incertezas, desvios e falhas de informação. Algo está sempre escondido. Tentam provar aquilo que não sabemos, ou aquilo que deveríamos saber. As provas se encaixam? Que pedaços de histórias podem juntas nos mostrar a verdade?

Instituições burocráticas e militares do Estado são responsáveis por manter, reservar e classificar como secretos conhecimentos “ameaçadores”. O “poder concentrado do segredo” é algo que Elias Canetti apontou como característico dos regimes ditatoriais. (1) Hoje, nos governos ditos “democráticos”, organismos normativos, agências de segurança e sistemas de vigilância usam informações confidenciais para controlar e dominar nações. Tudo o que uma teoria da conspiração quer é não explicar, mas produzir suspeitas para construir suas “verdades”. A ansiedade de querer conhecer o que não se sabe, de procurar enxergar o que está escondido nas sombras, ou até mesmo diante de nossos olhos, aponta para uma busca incessante pela transparência.

A ideia de transparência sobre um segredo que precisa ser trazido à público só evidencia o paradoxo de dizer que tudo está claro quando, na verdade, existe algo a ser resguardado. Somos tomados pela incerteza de não saber a verdade que se esconde por trás das cortinas, pois quanto mais se esconde, mais inegável torna-se a prova de que a informação é administrada e regulada. Evocar a “presença da ausência”, como fizeram as madres da Praça de Maio para comprovar as torturas e os desaparecimentos durante a última ditadura militar na Argentina, ou a recente pergunta “onde está o Amarildo?”, nos convocam publicamente a pensar que nem sempre a verdade que se encoberta pode ser enterrada por intimidações e sintomas de amnésia.

Teorias conspiratórias nunca são transparentes e lógicas. Para seus perpetradores, sempre existirá algo a mais no mundo que precisa ser provado. A desconfiança cresce. A intriga torna-se ilimitada. Expor um segredo não nos mostra a presença de um mundo “clandestino” ou um poder “paralelo” agindo em concomitância com o real. Ao invés disso, tal exposição enfatiza que esse mundo e esse poder atuam dentro de um espaço de disputa onde as nossas relações sociais cotidianas são construídas. O que mais falta à conspiração são pistas de suas teses e um sentido claro de suas ligações. Como provar associações sem cair nas falácias e armações da grande imprensa, ou nos memes disparados nas redes sociais? Criminalizar movimentos pode passar pelo viés conspiratório da acusação sem provas concretas.

É da natureza conspiratória falsear ou limitar informações. A internet é um grande repositório de teorias conspiratórias exóticas e fantasiosas, com páginas cheias de detalhes sobre o governo totalitário dos illuminati, sobre a presença de extraterrestres entre nós, sobre os segredos da morte de líderes políticos e religiosos, ou sobre o perigo de um controle mundial pelos fundamentalistas religiosos e grupos extremistas. Fatos, profecias e evidências confusas querem provar a verdade que não sabemos. Na rede, tudo parece estar sendo revelado, dando-nos a falsa sensação de que agora sabemos o que antes não conhecíamos. No entanto, o aumento da quantidade de informação circulando na web não significa maior clareza de entendimento.

No início dos anos 1980, Fredric Jameson (2) já havia apontado em sua crítica ao pós-modernismo a urgência de se produzir uma “estética de mapeamento cognitivo” como algo que nos ajudasse a cartografar os processos de integração global. Jameson também se referiu à necessidade de produzir uma arte política que conseguisse representar o espaço transnacional do capitalismo para que pudéssemos entender os nossos posicionamentos individuais, ajudando-nos a recuperar a capacidade de agir e lutar, então neutralizada pela nossa confusão espacial e social. Quase trinta anos depois, uma pergunta ainda deve ser feita: podemos articular a totalidade de um sistema social sem cair em uma análise conspiratória? Para Jameson, a conspiração tenta representar algo que não pode ser representável por meio de uma analogia do mundo real, simplificando estruturas de poder e distorcendo sistemas sociais. O fato de hoje tudo nos parecer conectado não significa que conseguimos desvendar a rede completa de uma trama.

 

* Inclua nesse espaço nomes de corporações ou organizações em conluio com atores influentes formando alianças ocultas e sigilosas.
Notas

(1) CANETTI, Elias. Massa e Poder. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

(2) Jameson, Fredric. The geopolitical aesthetic: cinema and space in the world system. Bloomington/Londres: Indiana University Press and BFI, 1992.

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