Assembleias

As assembleias populares na luta pela liberdade no Rio de  Janeiro
// Fernando Monteiro

Durante o ano de 2013,  as lutas populares  avançaram  na cidade do Rio de Janeiro. Lutas que ganharam corpo  no movimento  contra o aumento das passagens e que  geraram  um debate mais amplo sobre o sistema de transportes coletivos  do  estado e  dos municípios.  Rapidamente,  a tomada das ruas pelas multidões gerou uma variedade muito maior de pautas, incluindo  o direito  à  moradia,  o questionamento da  estrutura  representativa dos movimentos tradicionais  –  especialmente  com a atuação ambígua do SEPE na  luta dos profissionais da educação  -, a invisibilidade das camadas marginalizadas e periféricas da sociedade,  a opressão racial e de gênero,  os altos gastos públicos com a Copa do Mundo FIFA  etc. As mobilizações massivas  abriram  a caixa de pandora  das  mazelas sociais brasileiras. Os cariocas se olharam no espelho e não gostaram do que viram, muitos abandonaram as ruas sob diversos pretextos que iam desde a suposta violência dos Black Blocs ao risco de cooptação pela direita. Uns bradavam a ameaça de golpe fascista, outros se assustavam e retraiam-se diante do o golpe fascista que já foi dado:  a extrema violência policial  sob os auspícios de governos. As justificativas para o esvaziamento das ruas  foram tão heterogêneas quanto a multidão. Contudo,  este esvaziamento não  significou o fim das mobilizações, pelo contrário, elas  se espalharam pelo  o espaço geográfico da cidade  e mantiveram uma frequência de  Junho a  Dezembro,  sendo renovadas  no começo do  corrente  ano.
A  complexidade de conjuntura das ruas e dos diversos grupos, coletivos e indivíduos que constroem as manifestações e criam resistências através de discursos e ações  supera qualquer  breve  contextualização.  O que apresentamos aqui é  um voo sobre a superfície do que é construído através de organismos políticos de deliberação.  Num primeiro momento, as mobilizações mantiveram um caráter estudantil, seguindo  as tradicionais formas de deliberação que os estudantes  organizados  utilizam  historicamente  nesta cidade. Contudo,  a  centralização das decisões  produzida pelos  métodos típicos dos  partidos políticos e seus braços estudantis  logo produziram dissidências nos fóruns. O que se tem hoje é um desejo profundo de horizontalidade na estrutura de deliberação e construção da luta, portanto,  nada mais  coerente  do que  se viu no Rio: a sequência entre  esvaziamento de fóruns  centralizados e proliferação  de assembleias horizontais. Esse processo foi notado ainda em 2013 com o aparecimento de assembleias populares como a do Largo de São Francisco (desdobramento  imediato  do desapontamento com o fórum de lutas contra o aumento das passagens), a assembleia da câmara (inicialmente ligada à ocupação da câmara dos vereadores, mas que mantém suas atividades mesmo após as  desocupações da câmara  municipal  e da praça em frente) e assembleias regionais ou de bairro como a do Méier, Tijuca, da Fronteira e Zona Oeste.
Além das assembleias nas ruas,  foram experimentadas outras formas de organização e discussão através das redes  sociais digitais, mas, o acesso desigual à internet ainda restringe o alcance e a eficácia dessas iniciativas.  Por isso, as ruas e praças ainda são – e parecem estar longe de deixar de ser – os melhores espaços para construção dos processos de resistência popular, de relações anti e pós-capitalistas e para o  debate do  direito  à  cidade ou qualquer outra questão que clame por práticas  plenamente  democráticas, portanto, libertárias. Em outras palavras,  construímos  a cidade  ao transformamos  sua ocupação em prática cotidiana.  É nas ruas e praças que alinhamos nossos desejos, construímos consensos e trabalhamos os dissensos, e este é  o momento de avançar na expansão e construção de novas assembleias e no fortalecimento das que já foram construídas, promover o LIVRE DIÁLOGO entre elas e criar as pautas da cidade através das contingências urgentes geradas pelas interseções geográficas, afinidades e aproximações metodológicas de cada organismo autônomo.
Através do fortalecimento dessas práticas podemos gerar uma estrutura  eficaz  para a continuidade e o fortalecimento das lutas vivas na cidade do Rio de Janeiro.  É  o desejo de  multiplicidade de métodos, táticas e espaços de deliberação  se somando, mas não se restringindo aos fóruns universitários. Parece bem  evidente  que,  a partir das assembleias regionais e de bairro,  o povo pode exercitar a democracia e  aliar o âmbito político  ao  econômico  nas práticas que levarão as mudanças que desejamos.  Acusarão de utopia a produção de  uma estrutura política  distribuída,  livre e democrática para a gestão de nossa cidade. Desacreditarão  que  com essas  práticas políticas  possam surgir  estruturas econômicas alternativas às vigentes.  Mas a  efetivação  da  emancipação popular e da  liberdade  é possível!
O que se viu até hoje na história foram vanguardas “iluminadas” tentando conduzir  revoluções e  logo se convertendo  nas mais conservadoras elites. O que se vê é a invisibilidade proposital e um cruel apagamento dos registros históricos das práticas de conselhos de trabalho, assembleias regionais e de bairros durante tais processos revolucionários.  Precisamos  de mais  análises  críticas  para entender o papel desses organismos espontâneos e populares que se criam em momentos de efervescência política.  Eles  surgem da necessidade de ruptura com os métodos em vias de serem superados e  com  os espaços que já não mais correspondem às necessidades organizativas. Organismos quase sempre destruídos pelo centralismo das velhas instituições partidárias que almejam controlar as estruturas do Estado, ignorando (ou não) que não será através dos espaços institucionais  capitalistas  que se criará uma ordem social justa e liberta.
Este é um apelo para que todos nós, coletivos e indivíduos, organizações e mentes livres, depositemos mais de nossos esforços na construção dessas estruturas horizontais, para que possibilitemos os encontros entre os corpos que lutam. Deles  poderão surgir  os métodos e estruturas adequadas para as necessidades de qualquer conjuntura. Encontraremos um ou mais caminhos através da prática e  do  exercício cotidiano da micropolítica pulverizada por todos os espaços possíveis.
Saudações Libertárias

 

Texto publicado originalmente em
Coletivo Das Lutas

 vocabpol em 25122014 ação, manifestações