Humor

// por Geo Abreu

Dentro do processo das chamadas “Jornadas de junho” acontecidas desde junho de 2013, brotou das ruas, como escape lírico à truculência da polícia o humor, numa mistura de sagacidade com a criação de fatos mais estranhos que a ficção.

A memética dos acontecimentos acumulou uma produção de fôlego cujos locais de desague inicial tenham sido facebook/tumblr/twitter, transpondo conteúdos políticos por meio de piadas curtas, com núcleos que se transformam e perpetuam (as memes), multiplicando-se à medida que o afastamento do caso gerador não prejudique o entendimento da piada, de tal forma que seu uso se expanda e seja incorporado na linguagem cotidiana das redes sociais.

A criação das memes (sim, neste texto memes são entes femininos, porque férteis) partiam da curadoria de episódios exemplares com a intenção de assinalar o descabimento da inversão de valores, como num dos mais famosos casos, a depredação de uma loja da rede de roupas Toulon, cujos manequins foram vandalizados pela população. Fato que a midia corporativa transformou num quadro de horror, rídiculo e doloroso, quando ao entrevistar o dono da rede, este se pôs a chorar pelos bonecos e sua perda inestimável. A partir deste vídeo, a roda memética se pôs a girar e a inteligência coletiva produziu algumas respostas correlatas: uma missa de sétimo dia pela morte dos manequins; um prêmio pelas performances em protestos, cujos símbolos/estatuetas eram os ditos bonecos, e no rastro disso, uma intimação formal para que o jornalista/humorista/ativista Rafael Puetter/Rafucko prestasse esclarecimentos sobre a acusação de furto de um destes objetos.

O próprio termo “vandalizar” passou por uma transformação nestes dias, ampliando seu raio de uso e englobando não só as atitudes irresponsáveis de alguns cidadãos com “a coisa pública”, mas também as irresponsabilidades da classe política e da polícia no trato com os manifestantes, e o próprio discurso oficial criado neste contexto para legitimar a violência e a criação de verdades.

A partir de determinado momento, com a lei antiterrorismo em vias de efetivação e o terrorismo de estado crescente, provocando o esvaziamento das ruas, o humor criou soluções para manter o movimento e escapar da repressão. O casamento de dona baratinha é um deses casos: quando manifestantes apareceram para protestar durante o casamento da filha de um dos maiores empresários do ramo dos transportes no Rio de Janeiro, atrapalhando a festa e dando nomes a um dos agentes envolvidos na crise dos 0,20 centavos, o aumento nas passagens de ônibus que deu início às jornadas de protestos.

Daí à criação de coletivos de artivistas, tanto envolvidos com a trasmissão ao vivo dos protestos (Rio Na Rua, Mídia Ninja) quanto de intervenção urbana (Projetação, Vinhetando), quanto de criação de intervenções não violentas (Atelier de Dissidências Criativas), várias ações tomaram corpo e a cidade foi se organizando, transformando um movimento acusado de confuso e sem pautas definidas em um laboratório vivo de criação ferramentas sutis, cujas forças estejam no momento concentradas num esforço coletivo anti-copa. Forças que se expressam através de frases projetadas em muros, carimbos em notas de dinheiro, hackeamento de álbum de figurinhas, atos cujos traços são difíceis de rastrear e culpabilizar, espalhando a mensagem de descontentamento, conquistando mais e mais pessoas que estavam dispersas dentro da crise de representatividade política, bem como talentos obscurecidos no limbo do precariado cognitivo, e afirmando que aqui, nas cidades, “dois papos não se cria e nem faz história”.

 

Carnavandalirismo

// por Isabel Ferreira

O Carnaval faz dos nossos corpos território político.

Carnavandalirismo na rua é a política explodindo sua audácia imaginativa. Com seu feitiço socioerótico coletivo, o carnavandalirismo traz entusiasmo aos movimentos rebeldes, transborda as mentes, os corpos e os espaços da arte, e os leva às ruas.

No Carnavandalirismo, a ironia e o humor substituem a testosterona desestruturando a hipermasculinidade das táticas de confronto tradicionais. O corpo, a música e a dança se convertem, desta maneira, em ferramentas poderosas de desarticulação da violência policial e midiática.

O Carnaval de resistência surge do movimento fluido que pensa e atua em redes e que leva a criatividade e o prazer para à política. Rejeita as hierarquias sociais, a divisão entre atores e espectadores, confunde os gêneros, insiste na participação total e no seu caos criativo imprevisível e nos enfrenta com tudo aquilo que a sociedade de bem precisa controlar.

O Carnavandalirismo ocupa às ruas porque o rebolado é nosso e a cidade também!

Nota:
Carnavandalirismo é um projeto que parte do Atelier de Dissidências Criativas.

QUE É O ATELIER DE DISSIDÊNCIAS CRIATIVAS?
É um espaço para a criação de materiais diversos para o ativismo criativo: material gráfico, sonoro, vídeo, contra-publicitário, traquitanas, máquinas, roupas, performances, etc.
Todas as quinta- feiras, na CASA NUVEM(**) um espaço coletivo, para experimentar, praticar e espalhar o tesão de fazer e pensar política. Lugar de convergência, de troca de ideias, de mistura de cada um de nós, e dos vários coletivos artivistas e movimentos sociais da cidade. Experimentar um arte que REAL-liza, que busca a criação de realidades concretas, que constrói no aqui e no agora, que se alimenta e alimenta os movimentos sociais, que propõe outros tipos de dissidência fugindo dos clássicos rituais de protesto.

(*) Referência do texto: Tomando notas al caminar (sobre como romper el corazón al Imperio) John Jordan (2005), uma tradução muito livre de um extrato do texto Notes Whilst Walking on “How to Break the Heart of the Empire”. Texto disponível aqui .
(**) A Casa Nuvem está localizada na Lapa, no Rio de Janeiro.

 

 

 vocabpol em 06122014 entradas, oficina