Diagrama

// Tatiana Roque

“O diagrama é este formigamento de gestos virtuais  : apontar, fechar, prolongar, estriar o contínuo. Uma simples linha, um pedaço de flecha e o diagrama salta por cima das figuras e constrange a criar novos indivíduos. O diagrama ignora de modo soberbo todas as velhas oposições abstrato-concreto, local-global, real-possível. Ele guarda como reserva a plenitude e todos os segredos dos fundos e dos horizontes”.

Gilles Châtelet, Les Enjeux du Mobile

 

Como inventar uma política autônoma, novas formas de organização, práticas capazes de manter uma assimetria, como condição para uma política anti-capitalista?
Uma máquina expressiva, criação de signos que resistam à divisão entre significante e significado, entre expressão e conteúdo. Uma gramática, mas também uma semântica corporal das lutas.
Cada enunciado se relaciona a uma situação micropolítica específica, que não conhecemos sem mergulhar na situação na qual o enunciado se produz.  A escolha das palavras não é anódina, nem seu significado. A diagramática é uma recusa de rebater a enunciação sobre os enunciados, em um mundo povoado de palavras de ordem.

E opor à axiomática do capital é escapar de seus mecanismos de articulação, de mediação, de tradução de códigos. Sempre houve códigos, mas agora é preciso que todos se equivalham.
As minorias também são codificadas, apropriadas por identidades fixas, e podem se tornar reféns dos mecanismos de captura. Para Deleuze, há duas maneiras pelas quais o capitalismo codifica as formações sociais, e que são interiorizadas pelas minorias: o corte nacional/extranacional, que torna toda minoria composta de estrangeiros, ainda que estrangeiros de dentro; o corte individual/coletivo. A minoria se constitui na impossibilidade de interiorizar essa última divisão, pois tudo que parece emergir do individual (familiar, conjugal, psíquico) se liga a outras questões nada individuais (étnicas, raciais, sexuais, estéticas), com uma relevância que é imediatamente coletiva e social.

Uma das maneiras pelas quais o capitalismo codifica as formações sociais, para integrá-las em sua própria dinâmica, é a da comunitarização, ou seja, o isolamento produzido pela fixação de uma identidade. O que leva alguns grupos a enxergarem suas reivindicações como parte da esfera interna, como problemas que só concernem àquela comunidade, o que estamos chamando de problemas nacionais. Pode-se até tolerar a dimensão coletiva e política das questões que preocupam uma minoria, contanto que ele não se conecte a outras minorias, a coordenadas internacionais, transversais, ou seja a lutas estrangeiras.

Por isso, não dá pra combater o cinismo capitalista entrando no gueto, falando uma língua particular. Por outro lado, também não mobilizamos nenhuma força subjetiva renunciando à singularidade de cada grupo social. É sim, usando muito do gueto, de sua sensibilidade e seu dialetos próprios, mas para conectá-los, conjugá-los a outras lutas. Assim, podemos inventar um devir autônomo imprevisível, que passa por conexões transversais entre atores diferentes, lutas transnacionais. Talvez possamos falar de uma nova internacional.
Os momentos de maior potência dos movimentos são aqueles em que diferentes lutas se encontraram, produzindo mobilizações imprevisíveis.

Precisamos urgente de novos parâmetros para avaliar, de modo imanente, a efetividade das lutas e das organizações desse ponto de vista. Que se liga aos modos de existência que elas propõem, seu estilo, os problemas que coloca, as reivindicações que traz e seu potencial de conexão. O critério dessa avaliação é a aptidão que a gente tem para se articular com outras lutas, conectar nossos problemas com os problemas de outros, ainda que muito distintos do ponto de vista das identidades. Falar outra língua. Nunca só a nossa.
Tal é a função de uma política diagramática: operar por relações transversais entre problemas distintos e se opor à automação dos axiomas capitalistas.

 vocabpol em 16122014 diagrama, expressão, política, transformação