Mulheres-violência

//  Juliana Dorneles

Pós Pornô e Feminismo
A pornografia era vista com desconfiança no vocabulário feminista (assim como toda a indústria da prostituição), considerada como signo de sujeição e reiteração da mulher como objeto sexual – única e exclusivamente para o prazer masculino. A mulher mesmo, ficava fora desse gozo.

Além disso, as imagens criam e mantém o imaginário sobre um tipo de comportamento sexual desejável. O apelo erótico do pornô invade nosso imaginário e a imagem pornográfica se conecta e alimenta nosso desejo. Isso é bem grave em se tratando de uma revolução dos costumes, que justamente quer se livrar dos padrões colonizados desse imaginário.

Mas não é negando o pornô que se muda o pornô. É fazendo o pornô que se gosta. Então, pernas abertas para o fluxo sangüíneo das atitudes divertidas.

O pós pornô é uma atitude a partir da constatação da colonização do imaginário sexual pelos padrões da dominação masculina. Se existe uma representação colonizada da sexualidade que não favorece a alegria e o imaginário das mulheres, a alternativa para isso é criar outros imaginários, dar chance de estabelecer outros mundos para a sexualidade, onde as fronteiras entre os gêneros se borram e os papéis clássicos homem/mulher ficam difusos.

Há histórias quentes, inversão dos papéis, cenas de mutilação, sexo hardcore entre mulheres, skirt, crossdressing, sexualidade queer e tantas outras cenas que surgem para encantar, chocar, ou divertir, mirando a invasão da nossa cultura sexual.

Sim, se trata de uma outra cultura sexual, de um desejo esta cada vez mais múltiplo; e cada vez encontrando mais fontes de ampliação onde nem mais os órgãos genitais são uma fronteira. Gozar pode ser uma experiência mais ampla, pode incluir a natureza, pode incluir um corpo andrógino e machucado, pode incluir carros (J. G. Ballard) ou paisagens sonoras. Tudo é sexo, mais escancarado ou menos, criando suas alianças e derivas em imagens, performances, relacionamentos. Sexualidade como criação artística.

Vertente crítica-criativa; que remete a uma crise da sexualidade normativa; e uma necessidade de encontrar novos corpos e imagens para outros corpos e mundos. Sua violência e virulência, alguns abordam, poderia ser lida como a violência necessária para a escuta daquilo que até então (até a irrupção deste ato estrondoso/performático) não existia no imaginário do mundo. Violência do grito que quebra as taças de cristal. Faz alguma coisa girar. Quebra padrões do imaginário – quebra que nem sempre acontece sem dor.

Violentas são as esperas, as crenças, o condeno no otimismo do triunfo, a prisão no armário fundo do eu.

Uma bofetada é bem mais importante do que dez lições, compreende-se muito mais rápido, sobretudo quando é uma mãozinha macia da mulher que nos dá a lição.

(Severino/Gregório. A Vênus das Peles)

 

Violentas
Este vocábulo poderia ser também poderosas, escandalosas e incômodas.
Palavra de ostentação do poder.
Mas fiquemos com violentas.
Porque existe um escândalo violento do poder. Mesmo nos velados, a portas fechadas, por tras dos muros. Nem sempre as coisas precisam se dar a ver para serem escandalosas. E se a primeira vista qualificar a violência como escandalosa poderia parecer um juízo comum (que ruim que é ser brabo, furioso, violento); veremos como, na operação inversa, este escândalo está diretamente ligado a força da violência.
Existe uma força na violência, uma energia. A que quebra um osso e a que quebra um padrão. O que salva a violência é que ela é um limite, um esgotamento, um desabafo. Tem nela um sem palavras, são atos, manifesto daquilo que é insuportável. E se faz entender assim, na marra. Parece feio ou estranho, machuca. mas é ela lá gritando como Rosalyn no deserto (a personagem de Marylin Monroe no filme “Os Desajustados” -1960- de Arthur Miller).
Sim, falamos dessa violência que irrompe, do incontrolável e incômodo; ao mesmo tempo completamente necessário. Faz alguma coisa mexer, um escândalo da raiva que realiza e expressa, criando uma brecha no espaço-tempo repressor e omisso. É um tipo mulher de poder: a violência uterina, tão sedutora quanto avessa a razão. Escândalo do poder feminino.

Pensemos neste filme e nesta cena específica. São três homens – a possessão masculina (dinheiro, força física, audácia). Violência primária como modo de lidar com o selvagem. E a mulher, corpo todo compaixão e angústia, incômodo. Onde não há mais palavras possíveis, advém o urro das entranhas. Longe, num solo assistido por estes tres homens mortos, Rosalyn lança uma maldição. O grito onde não há mais negociação possível. Elas são todas loucas, diz o mais triste deles. Loucas, furiosas, e poderosas; de palavras ingratas aos concílios e conciliações. Um poder da fúria se emege contra a própria violência, se diria. Um levante das entranhas em estado de miséria, dissecadas pela angústia das restrições (impostas ou auto impostas). Levante da arma do corpo berrante, o insuportável. Que madeixas poderiam ficar no lugar? Se o selvagem da natureza é domesticado e transformado em carne morta de cavalo, aparece uma mulher que instiga a horda masculina pelos instintos (reprodução! Reprodução!) e ganha a cumplicidade dos audaciosos. É o terceiro homem – do tipo que não gosta de ver a carne morta, pois admira seus adversários.
Que forças loucas e sensuais são necessárias para fazer sair o torpor do estabelecido. O incômodo.

É a violência crua e contratual de algumas práticas masoquistas; é a violência cruel do sádico, para colocar algo em movimento. Tudo sempre ligado a uma boa dose de sedução. A crueza é muito mais misteriosamente sedutora; ao contrário da maquiagem, que envaidece o jogo do poder.

A esses cabem os arregaços, de boca aberta, entrante. Mas também na boca fechada, miudeza, não se regram essas partes. Lugares sem senão, pouco acolhedores do consolo do eu. Um desfazer, numa espécie de geração açoitada na carne, violenta, vivificada pelas cicatrizes cravadas no lugar das angústias malvadas, pequenizantes, solícitas por restrição. De pequenices nos enche o pesadelo de restrições. De apavorados imploramos um perdão que já bem sabemos não existe. E por que se insiste?

Violentas são as esperas, as esperanças, as crenças, o otimismo do triunfo, da condenação da prisão no armário escuro do indivíduo. Violento é o sentimento de idiotice. Seja lá por que trevas for. E de noite dormido ia para o colchão de molas soltas que pertencia ao: vovô, papai, mamãe, professor, chefe, proprietário, todos cheios de respeitáveis.

Mas a carne viva não se apequena. Tem nela um corpo do exposto, atuado. Esse sim da fantasia, do se engraçar de um teatro erótico, angustiado, cômico tal como a morte comendo o cu da insensatez.

E lá no longe se viam cinzas, enchamadas, proclamadas de autonomia no céu, visitantes mais próxima de Deus. Vai lá a cinza, anaeróbica, virótica, realidade sem ar. Daí começamos a balbuciar, a boca solta, osso quebrado cambaleante, sem firmeza qualquer, se minhocando, sem se colunar. Matéria de dentes frouxos que morde um suspiro – se vai; gargareja uma canção … oh como fui besta, pra que cantar se o som não se propaga sem ar?

Os afetos de domínio tem queixo duro, mas não há nada que se necessite dominar.

Nunca se precisa de calma, se precisa de volatilidade.

 

// Beatriz Preciado

Nós dizemos revolução

“ (…) Falamos uma outra linguagem. Eles dizem representação. Nós dizemos experimentação. Eles dizem identidade. Nós dizemos multidão. Eles dizem controlar a periferia. Nós dizemos mestiçar a cidade. Eles dizem dívida. Nós dizemos cooperação sexual e interdependência somática. Eles dizem capital humano. Nós dizemos aliança multi-espécies. Eles dizem carne de cavalo nos nossos pratos. Nós dizemos montemos nos cavalos para fugir juntos do abatedouro global. Eles dizem poder. Nós dizemos potência. Eles dizem integração. Nós dizemos código aberto. Eles dizem homem-mulher, Branco-Negro, humano-animal, homossexual-heterossexual, Israel-Palestina. Nós dizemos você sabe que teu aparelho de produção de verdade já não funciona mais…”

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 vocabpol em 30112014 entradas, mulheres, oficina, política, trans, transformação